26 de julho de 2009

O Derradeiro Combate do Demônio


No True Outspeak de 20/07/2009 (6 min e 20 seg.), Olavo de Carvalho se reporta ao livro O Derradeiro Combate do Demônio do Padre Paul Krammer (parece ter sido escrito no final do papado de João Paulo II) como "um dos livros mais importantes que eu li em minha vida".
O livro aborda o misterioso silêncio do Vaticano em relação as mensagens de Nossa Senhora nas aparições em Fátima e, de modo especial, a inexplicável omissão à um dos desconcertantes pedidos de Maria: que a Rússia fosse consagrada, pelo Papa em conjunto com todos os Bispos Católicos do mundo (4.500 aproximadamente), ao Imaculado Coração de Maria, num ato público como orienta a tradição da Igreja. Como recompensa deste ato público, Deus concederia ao mundo "um período de paz". A punição, caso a consagração nao fosse feita, é que "várias nações serão aniquiladas", entre outros males que o mundo há de padecer.

Se as aparições e as mensagens de Nossa Senhora em Fátima são consideradas "fidedignas" pela Igreja e as revelações foram "públicas" e não "privadas", resta uma inquietante questão: por que até o presente momento tal ato não foi realizado? O que esta solenidade poderia trazer de mal ao mundo ante as punições preditas em Fátima caso ela não fosse realizada?

O livro explora as razões disso numa análise profunda do Alto Clero do Vaticano, no qual um dos principais nomes é o Cardeal Joseph Ratzinger. Em manifestações públicas o então Cardeal teria relativizado a fidedignidade das aparições e tratado as mensagens como meras "revelações privadas" e não mais "públicas" como testemunharam 70.000 mil pessoas e a própria Igreja sentenciou em seus exames da aparição.

Por prudência, não vamos emitir nossa opinião, porque ainda não li o livro para além do preambulo. De todo modo, o livro está disponível online em português e pode ser acessado aqui. Convido o leitor a ler e tirar suas conclusões.

12 de julho de 2009

Uma Encíclica Problemática

Por Martim Vasques da Cunha
O lançamento da nova encíclica papal, Caritas in Veritate, não provocou muito rebuliço na mídia - talvez por que ela apareceu no mesmo dia do funeral de Michael Jackson, talvez por que o que a imprensa espera é o encontro do próprio Papa com Obamis em L´Aquila -, mas alguns intelectuais católicos já leram e deram o seu pitaco. Como de hábito, poucos, salvo as exceções de sempre, perceberam o caráter problemático da encíclica - algo que, se não for bem pensado e estudado, pode trazer implicações sérias para o mundo político de hoje e de amanhã.

Quando uso o termo “problemático”, faço-o em dois sentidos: o primeiro é que a leitura do texto é repleta de zigue-zagues, e nota-se a tentativa do Papa de querer sair do beco-sem-saída onde se meteu - ele ataca a esquerda na sua agenda antropológica progressista-liberal, e também ataca os liberais com sua adoração ao deus mercado. O segundo uso é que, se a encíclica não cai na esparrela ideológica, propõe outra muito mais perigosa - a da era ecumênica. Não há outra maneira de se entender isso quando se lê o parágrafo 67 do texto:

67. Perante o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se imenso — mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial — a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações. De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para actuar o princípio da responsabilidade de proteger e para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. Isto revela-se necessário precisamente no âmbito de um ordenamento político, jurídico e económico que incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e em consequência maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor, o Beato João XXIII. A referida Autoridade deverá regular-se pelo direito, ater-se coerentemente aos princípios de subsidiariedade e solidariedade, estar orientada para a consecução do bem comum, comprometer-se na realização de um autêntico desenvolvimento humano integral inspirado nos valores da caridade na verdade. Além disso, uma tal Autoridade deverá ser reconhecida por todos, gozar de poder efectivo para garantir a cada um a segurança, a observância da justiça, o respeito dos direitos. Obviamente, deve gozar da faculdade de fazer com que as partes respeitem as próprias decisões, bem como as medidas coordenadas e adoptadas nos diversos fóruns internacionais. É que, se isso faltasse, o direito internacional, não obstante os grandes progressos realizados nos vários campos, correria o risco de ser condicionado pelos equilíbrios de poder entre os mais fortes. O desenvolvimento integral dos povos e a colaboração internacional exigem que seja instituído um grau superior de ordenamento internacional de tipo subsidiário para o governo da globalização e que se dê finalmente actuação a uma ordem social conforme à ordem moral e àquela ligação entre esfera moral e social, entre política e esfera económica e civil que aparece já perspectivada no Estatuto das Nações Unidas”.

(Obs: os trechos em itálicos não são meus e sim do próprio Papa. Mantive o formato original do texto como está no site do Vaticano)

Agora, temos que explicar o que é a era ecumênica. É um termo de Eric Voegelin para seu quarto tomo da série “Ordem e História” e sua raiz vem do termo grego oikoumene, que significa aproximadamente “ausência de fronteiras” ou de limites (Por favor, os especialistas em grego que me ajudem se estiver errado). O seu germe está no confronto de Sócrates com a polis ateniense e nos registros dos profetas hebreus, mas de fato começa com Alexandre Magno, estende-se pela Ásia, ganha sua completa consciência de princípios com Confúcio (alguns incluem Buda nesse mesmo período), fragmenta-se com a chamada civilização greco-romana, tem uma nova articulação com São Paulo e - antes que você possa recuperar o seu fôlego, caro leitor - ainda influencia o mundo moderno com sua idée-fixe de unidade entre os povos, com uma acentuação para a dominação global e sem se importar com a diversificação da cultura de cada povo soberano. A única coisa que verdadeiramente importa para quem viveu ou quer viver nesta era é a expansão da sua libido dominandi (usado aqui na terminologia de Pascal), do qual se constrói uma “segunda realidade”, alienada às necessidades do senso comum, e que se apropria de princípios éticos apenas como floreio retórico, para, na prática, manter a qualquer custo o seu ímpeto de dominar tudo o que vem pela frente, de territórios estrangeiros até a consciência individual (e especialmente, a sua consciência).

Atualmente, vivemos os restos do espólio desta era com o surgimento de entidades como a ONU, a União Européia, as ONGs, os próprios Estados Unidos da América, e todo aquele pessoal do Greenpeace.

(Um outro livro que fala sobre esse problema é A Evolução da Cidade de Deus, de Etienne Gilson; indicaria também as seções que envolvem o termo cosmopólis, de Insight, de Bernard Lonergan, além das palestras que o professor Mendo Castro Henriques deu no Brasil sobre Filosofia Política em Eric Voegelin, publicadas pela É Realizações, em especial sobre o tópico da poliarquia)

O problema do parágrafo 67 da encíclica é que a sua proposta de reformar a arquitetura global, propondo uma Autoridade política mundial é, ao mesmo tempo, uma ingenuidade, um anacronismo e uma contradição. Uma ingenuidade porque qualquer um sabe que, para criar tal organização, teria de gastar um montante de dinheiro que, alías, já foi usado, mas que jamais voltará para o bolso do povo (o tal bailout de Bush e Obama); um anacronismo porque não podemos mais viver com os restos da era ecumênica, muito menos esperar que a Igreja apoie uma Autoridade política mundial, sendo que, oras bolas!, era ela quem justamente cumpria essa função há algum tempo; e uma contradição porque se o Papa apóia essa mesma Autoridade, ela deve ser composta por seres humanos - que atualmente, são os mesmos que querem que a tal Autoridade aprove o “direito universal” ao aborto, à eutanásia e outras esquisitices científicas (tópicos que a encíclica critica sem hesitar).

“Ora” - já antecipo o engraçadinho - “mas você critica isso porque vai contra a agenda conservadora”. Uma ova, falastrão! Isso não tem nada a ver com a “agenda conservadora”. Tem a ver com o fato de que estamos a viver num mundo perigoso e, de todas as pessoas que eu não gostaria de ver enfurnadas neste busílis, o Papa é uma delas. Porém, não se trata de uma crítica - trata-se de uma simples constatação de um problema, que deve ser enfrentado por qualquer ser humano que se preza, seja um católico ou não. George Weigel, comentarista do Vaticano e articulista da National Review, percebeu o nó górdio e escreveu um artigo que está a causar frisson no mundo intelectual católico, especialmente por causa de trechos como estes:

“The encyclical includes a lengthy discussion of “gift” (hence “gratuitousness”), which, again, might be an interesting attempt to apply to economic activity certain facets of John Paul II’s Christian personalism and the teaching of Vatican II, in Gaudium et Spes 24, on the moral imperative of making our lives the gift to others that life itself is to us. But the language in these sections of Caritas in Veritate is so clotted and muddled as to suggest the possibility that what may be intended as a new conceptual starting point for Catholic social doctrine is, in fact, a confused sentimentality of precisely the sort the encyclical deplores among those who detach charity from truth.

There is also rather more in the encyclical about the redistribution of wealth than about wealth-creation — a sure sign of Justice and Peace default positions at work. And another Justice and Peace favorite — the creation of a “world political authority” to ensure integral human development — is revisited, with no more insight into how such an authority would operate than is typically found in such curial fideism about the inherent superiority of transnational governance. (It is one of the enduring mysteries of the Catholic Church why the Roman Curia places such faith in this fantasy of a “world public authority,” given the Holy See’s experience in battling for life, religious freedom, and elementary decency at the United Nations. But that is how they think at Justice and Peace, where evidence, experience, and the canons of Christian realism sometimes seem of little account.)”

Obviamente, Weigel foi atacado por todos os lados. Pode-se argumentar que ele foi “arrogante” ao presumir que o Papa teria “cedido” uma parte de seu pensamento para setores mais “vermelhos” da Igreja; pode-se até dizer que ele foi “paranóico” ao afirmar que Bento XVI está “isolado”; mas não se pode negar que ele apontou o dilema da encíclica com uma precisão dolorosa.

Da minha parte, creio que fico com Joseph Bottum, que, na tentativa de destrinchar a Caritas in Veritate em sua intricada trama de zigue-zagues políticos-sociais, escreveu o seguinte:

“(…) The call for a “true world political authority” appears in paragraph 67: “a reform of the United Nations Organization, and likewise of economic institutions and international finance, so that the concept of the family of nations can acquire real teeth.”

To understand this, I think, we have to read it in the light of a call for universal empire, which has been in the Catholic lexicon for a long, long time. The counter-theme of individual sovereign states has been in the Catholic lexicon for a while, too, and the encyclical might have entered here into an interesting discussion of that disagreement in modern Catholic thought. But, as things stand, I can’t imagine a worse time simply to demand universal empire without explanation, or a worse body than the United Nations to entrust with it.

The first naiveté, in Benedict’s version, is the notion that the UN could somehow be “regulated by law” when it itself would be the law, once it had eliminated the individual states (against which the encyclical sets itself when it complains of the UN weakened by “the balance of power among the strongest nations”).

The second naiveté is about the Church, which, in medieval and Renaissance calls for empire, stood as the extra-governmental institution that balanced the state. Now and for the foreseeable future, the Church is detested by the bureaucrats of the UN empire. It’s crazy of Benedict to think that international organization won’t move, with its power, to abolish as much of the Church as it can.

Let’s see, how about a universal right to abortion? How about hate laws that count against Catholics but somehow few others? Here’s a simple and, in fact, quite likely one: How about the great cathedrals all declared “Artistic Property of Mankind,” with ownership and “use oversight” given to UNESCO?”

Ou, como diria John Adams, o homem a quem os EUA devem a sua independência - e que era alguém que apenas atendia os ditames da sua consciência:

“Meu lema fundamental de governo é este: Nunca confie o cordeiro aos cuidados do lobo”.
Fonte Dicta e Contradicta Blog. 10/07/2009.

11 de julho de 2009

Professor Felipe Aquino comenta nova encíclica do Papa

Depois das análises de Nivaldo Cordeiro e Olavo de Carvalho divulgados neste blog, segue abaixo uma entrevista com o Professor Felipe Aquino. Aqui o professor adota uma postura de apoio ao conteúdo da Encíclica, não vendo nenhum problema conforme pretenderam alertar Nivaldo e Olavo. De minha parte, ainda prefiro manter o alerta. LM.
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Em entrevista ao noticias.cancaonova.com, o apresentador da TV e Rádio Canção Nova, professor Felipe Aquino, destacou os principais pontos da encíclica e ressaltou que o Papa quer chamar atenção para que a caridade se realize dentro da moral e da ética, ou seja, dentro da verdade.

noticias.cancaonova.com - O que representa esta encíclica no conjunto das encíclicas sociais da Igreja, levando em consideração o contexto atual de crise financeira mundial e, também, nesta semana, a reunião do G8?
Prof. Felipe Aquino - Sabemos que desde que a primeira encíclica foi escrita pelo Papa Leão XIII, a Rerum Novarum, em 1891, a Igreja começou a acompanhar a questão social do mundo. Esta vai mudando com o passar do tempo. Por isso, os papas subseqüentes a Leão XIII, como o Papa Paulo VI, João XXIII e João Paulo II, escreveram outras encíclicas de cunho social. São várias encíclicas, aproximadamente dez. E agora, Bento XVI escreve essa, “Caridade na Verdade”, justamente enfocando a situação em que vivemos hoje. Uma situação que na verdade é social, política e moral, como disse o Papa. Então, o que ele quer é a luz de Cristo iluminando essa situação. Primeiro saber o porquê de estarmos vivendo essa crise econômica que, para o Papa, tem uma forte conotação moral. Ou seja, é uma crise de ganância, uma crise onde se visa só o lucro, deixando de lugar muitas vezes o ser humano. É uma crise, portanto, que tem características morais, políticas e humanas.

noticias.cancaonova.com - Como seria o panorama histórico das encíclicas sociais, desde a Rerum Novarum?
Prof. Felipe Aquino - Esta primeira de Leão XIII foi na época da Revolução Industrial, principalmente na Inglaterra e Europa, onde muitos trabalhadores deixaram o campo e foram para as cidades e, muitas vezes, trabalhavam de maneira explorada, muitas horas por dia, sem direitos e sindicatos. Isto deu origem, inclusive, ao comunismo que pretendia, de maneira errada, resolver o problema social. Assim, a Doutrina Social da Igreja quer resolver o problema social de maneira correta. Não basta resolver o problema, deve ser de maneira correta. Não pode ser pela violência, pela luta de classes, jogando patrões contra empregados ou fazendo com que os empregados tomassem o poder, como foi a Revolução Comunista de 1917, na Rússia, que, no entanto, não deu resultado, até que a Rússia comunista desabou.

Assim, a Doutrina Social da Igreja veio justamente para isso: veio com a Revolução Industrial, com o Comunismo, quando o Papa Pio XI escreveu uma outra encíclica condenando o comunismo. Depois, o Papa João XXIII com a Mater et Magistra, a Igreja como Mãe e Mestra, ensinando a sociedade a viver como irmãos e a utilizar a mensagem cristã para resolver o problema social, com um apelo à consciência dos governantes, patrões e também dos empregados, para que haja convivência e diálogo. Depois quem deu uma contribuição muito grande foi o Papa Paulo VI, com a Populorum Progressio, com a qual o Papa Bento XVI começa a sua nova encíclica. Esta é da década de 70, quando Paulo VI colocava a questão do desenvolvimento no mundo e dizia que este é importante para sanar os problemas sociais do homem, como o desemprego, fome, falta de moradia etc, mas tudo isso deve ser feito dentro de um contexto de harmonia. E ele dava muita ênfase para que não acontecesse ricos cada vez mais ricos à custa de pobres cada vez mais pobres. Destacou, portanto, uma grande verdade que nós conhecemos: 50% da riqueza do mundo estão na mão de 5% de pessoas, enquanto que uma maioria de 95% fica com 50% da riqueza. Há um desequilíbrio econômico e social e a falta de uma justa distribuição de renda, sem apelar para a violência.

João Paulo II veio e colocou isso com mais profundidade, fazendo também uma análise na questão do trabalho e sua importância. Na Encíclica Sollicitudo Rei Socialis, de 1988, colocou a dimensão do trabalho e do capital. Tudo sua importância, tem seu valor, mas visando o bem estar do homem e não visando o lucro. A Igreja não condena o lucro e nem a propriedade privada. O Papa João Paulo II disse uma frase muito importante, em uma de suas encíclicas sociais: “Sobre toda propriedade privada pesa uma hipoteca social”, ou seja, toda propriedade deve estar a serviço da sociedade. Ela pode ser de alguém, ter um dono, mas a empresa, a fazenda, a indústria tem o direito de estar na mão de alguém, mas deve favorecer o progresso da humanidade.

Essa iluminação cristã da questão social, política e econômica é o que as encíclicas colocam. E agora, Bento XVI coloca a questão do momento que estamos vivendo. Não coloca tanto a questão da política, de mudanças de governo, mas coloca uma coisa muito interessante: propõe uma reformulação da Organização das Nações Unidas (ONU). Ele diz que o organismo tem 191 nações agregadas, contudo não tem conseguido mobilizar essas nações, por exemplo, para acabar com a fome no mundo. E isto é possível, porque se o mundo colocou no mercado, devido a essa crise econômica, algo em torno de cinco ou seis trilhões de dólares – e com um décimo desse dinheiro daria para acabar com a fome no mundo – é porque falta vontade política, que precisa ser despertada, trabalhada e fomentada pela ONU. E se a ONU não faz isso, disse o Papa, ela precisa ser reformulada.

noticias.cancaonova.com - Quais os pontos principais do documento?
Prof. Felipe Aquino - Eu penso que o nome de uma encíclica é algo que retrata o coração dela. O Papa quer, portanto, a caridade dentro da verdade. Isso faz a gente lembrar aquela frase de Santo Agostinho: “Não se imponha a verdade sem caridade, mas não se sacrifique a verdade em nome da caridade”. Ou seja, a caridade deve ser feita dentro da verdade e isto tem a ver com a moral católica. E Bento XVI coloca bem essa questão: a moral católica não aceita que se faça o bem através do mal. Não se pode atingir um “sim bom” a partir de um “meio mal”. Por exemplo, não se pode fomentar a luta de classes, jogar patrões contra empregados porque é uma injustiça social e vai derramar sangue. Ou ainda: não se pode usar dinheiro de narcotráfico para matar a fome dos pobres, pois seria uma caridade fora da verdade. A verdade aí é a Lei de Cristo, é a moral. Então o que o Papa quer ensinar é que devemos fazer a caridade dentro da moral, da ética. Não é fazer a caridade a qualquer custo, sair roubando, pegando do rico para dar ao pobre, pois isso seria causar mais confusão ainda, mais problema social. Então, penso que o âmago da questão que o Papa quer chamar é isso: vamos resolver o problema da caridade, isto é, vamos resolver o problema social mas dentro da verdade, da Lei de Cristo. Não é, por exemplo, apelando para um controle drástico da natalidade, acabar com a população e impedir a vida de acontecer que vamos acabar com o problema da fome no mundo. Aí, ele recorda Paulo VI: não se trata de diminuir o número de pessoas em torno da mesa, mas se trata de aumentar a comida. É possível aumentar a comida. Ela está aí, mas falta vontade política das nações de colocarem o dinheiro e produzir. Nós sabemos que muitos países da Europa não querem produzir porque não compensa, o preço cai muito.

noticias.cancaonova.com - E como deve repercutir na América Latina?
Prof. Felipe Aquino - Sem dúvida a palavra do Papa sempre repercute e essa encíclica vai repercutir por causa da crise que a humanidade está vivendo. Então, o mundo vai ouvir a voz do Papa. Infelizmente, como sabemos, nem sempre as sociedades ouvem a voz do papa. Se tivessem ouvido a voz, por exemplo, de Bento XV, não teria acontecido a Segunda Guerra Mundial. Se tivessem ouvido a voz de Pio X, a Primeira Guerra não teria ocorrido, porque o Papa alertou as nações na época. Assim, sabemos que a voz do Papa não é ouvida por muitos, apenas por aqueles governantes e empresários cristãos, mas o é por toda a Igreja, todo o clero. Eu não tenho dúvida que essa encíclica será muito estudada e faço questão de no meu programa, tanto na rádio, como na televisão, desdobrar os pontos mais importantes para que, principalmente, os cristãos ouçam o Papa. E esse Papa é extraordinário. Um Papa adulto, santo, maduro, sábio. Um homem que viveu 80 anos, atravessou duas guerras mundiais, viveu a Alemanha do Hitler e conhece o mundo na palma da mão. Um homem que tem um perfil adequadíssimo para nos falar. E ele está falando, vamos, então, ouvi-lo.

10 de julho de 2009

Olavo de Carvalho sobre a Encíclica Caritas in Veritate

Um globalismo cristianizado?

Por Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 10 de julho de 2009.
Em qualquer texto doutrinário que vise a influenciar de algum modo a vida política, é preciso distinguir três níveis: (1) os princípios morais e políticos gerais proclamados ou implícitos; (2) a análise da situação concreta, e (3) as ações sugeridas ou apoiadas. No primeiro nível, a Encíclica Caritas in Veritate proclama a necessidade de fundar toda política social na caridade, e esta na verdade: “Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida. A verdade é a luz que dá sentido e valor à caridade.” No segundo nível, oferece um diagnóstico totalmente falso das causas da presente crise econômica. No terceiro, sugere como remédio aos males da economia atual a intensificação e ampliação das mesmas causas que os determinaram. Por mais que eu respeite a pessoa do Papa e a santidade do seu ofício, não posso ver aí verdade nenhuma, nem portanto caridade, exceto se por esta palavra entendermos as boas intenções ineficazes que a própria Encíclica condena.

Desde logo, Bento XVI apresenta como causa fundamental dos problemas atuais a desregulamentação da economia e a redução das redes de segurança social, que trazem “grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os direitos fundamentais do homem e a solidariedade atuada nas formas tradicionais do Estado social.” Precisamente ao contrário, a ampliação desmesurada da previdência social – quase sempre forçada por meio dos mesmos argumentos agora usados por S. Santidade – foi que causou a falência do sistema bancário e, portanto, dos Estados que nele se apóiam. É verdade que “os sistemas de segurança social podem perder a capacidade de desempenhar a sua função”, mas não porque o mercado foi desregulamentado e sim porque lhes falta dinheiro para atender às exigências crescentes de ONGs ativistas, “movimentos sociais” e organismos internacionais, inclusive em favor da imigração ilegal. Quando Bento XVI oferece como solução para a crise econômica o aumento do poder regulador desses organismos, ele esquece que esse poder já veio crescendo, nas últimas décadas, ao ponto de impor a muitos países obrigações sociais que sua economia não suporta.

Por outro lado, é claro que muito do falatório liberal em favor da “abertura dos mercados” não veio de nenhum amor sincero ao liberalismo econômico, mas como expediente maquiavélico para debilitar os Estados nacionais e transferir sua soberania a organismos globais controladores, de modo que tanto as vantagens quanto as desvantagens daquela abertura concorressem igualmente para o acréscimo do poder da elite globalista.

Os beatos de sempre vão assegurar-nos, é claro, que a nova Encíclica não é um manifesto de apoio ao governo global. O texto mesmo dá-lhes o desmentido formal: “Para sanar as economias atingidas pela crise, ... urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial” investida de “poder efetivo”. Como modelo dessa autoridade, S. Santidade sugere... o Estatuto das Nações Unidas! Publicada com poucos dias de antecedência da nova reunião dos líderes do G-8, que já proclamam a necessidade de adotar em escala mundial uma política de “estímulos” como a implantada pelo presidente Barack Obama nos EUA, qual outro efeito real pode ter essa Encíclica senão o de um incentivo legitimador a que esses indivíduos façam precisamente o que querem fazer? Se, enquanto isso, o desemprego que Obama prometia eliminar cresce a olhos vistos, levando o próprio vice-presidente Joe Biden a confessar que a política alegadamente salvadora se baseou numa interpretação errada da economia, isso não impede S. Santidade de endossar como certa essa mesma interpretação errada e de sugerir que a solução fracassada seja ampliada em escala mundial.
A obstinação dos altos círculos católicos na idolatria do “controle global” não vem de hoje. Como o próprio Bento XVI reconhece, “depois da queda dos sistemas econômicos e políticos dos países comunistas da Europa Oriental,... na seqüência dos acontecimentos do ano 1989, o Pontífice (João Paulo II) pediu que o fim dos ‘blocos’ fosse seguido por uma nova planificação global do desenvolvimento, não só em tais países, mas também no Ocidente.” Ou seja, do fracasso total do maior experimento de economia planificada já tentado neste mundo, João Paulo II concluía que era preciso mais planificação ainda, e de dimensões globais.

Não se trata, aqui, de fazer a apologia abstrata da liberdade de mercado. É verdade que a modéstia na intervenção estatal coincide universalmente com a prosperidade (o Índice de Liberdade Econômica do Hudson Institute prova isso ano após ano), mas, como já tenho explicado dezenas de vezes, em geral essa liberdade vem hoje articulada a um projeto político que só a expande em escala local para melhor estrangulá-la no plano mundial. Nenhuma referência a essa maliciosa articulação de estratégias se vê na Encíclica de Bento XVI.
Reconhecendo embora o poder criativo do livre mercado, o Papa não só faz a apologia do maior controle burocrático, mas sugere que dele participem as entidades da “sociedade civil”, como se não tivesse sido justamente a pressão dessas entidades – quase sempre apoiadas num discurso enganosamente cristão e subsidiadas pela elite globalista – que levou à destruição do sistema bancário.
Se, em aparente compensação, Bento XVI exorta os planificadores globais a orientar suas ações num sentido cristão, ele não fornece nem a mais mínima sugestão prática de como realizar essa cristianização do globalismo. A proclamação dos valores cristãos paira no céu das generalidades abstratas, enquanto, no plano da ação prática, só o que se sugere é a ampliação dos controles globais. Sem conexão com as medidas efetivas sugeridas, o apelo à verdade e à caridade funciona, nesse documento, tão-somente como um adorno retórico, embelezando um programa político que não tem com ele a menor conexão lógica e que oferece, como solução do mal, a ampliação das causas que o geraram. Os líderes do G-8 estão livres para brandir a Encíclica Caritas in Veritate como um poderoso argumento em favor de políticas que já haviam escolhido de antemão.

Para piorar formidavelmente as coisas, é público e notório que o poder globalista em expansão, longe de se inspirar no que quer que seja de genuinamente cristão, tem como um de seus objetivos professos – intimamente associado às suas políticas econômicas – a implantação de uma religião universal biônica, na qual a Igreja Católica, expurgada de seus elementos tradicionalistas, se integre como um instrumento dócil da maior farsa espiritual já tentada no universo (v. documentação cabal em Lee Penn, False Dawn. The United Religions Initiative, Globalism and the Quest for a One-World Religion, Hillsdale, NY, Sophia Perennis, 2004). Ao longo do texto, Bento XVI esperneia, aqui e ali, contra o relativismo e a descristianização, como se estes males viessem do ar e não do mesmo establishment globalista cujo poder ele procura expandir.

O dilema em que esse documento coloca os católicos é temível: deverão eles, por obediência ao Papa, colaborar com o fortalecimento do mesmo poder global que os estrangula e vai tornando inviável o exercício público da sua fé, ou, ao contrário, devem voltar-se contra o Sumo Pontífice, aprofundar ainda mais a divisão na Igreja e dar munição à campanha mundial anticatólica? Qualquer das duas alternativas é inaceitável. Enquanto os conservadores e cristãos não aprenderem que não é possível fazer face ao inimigo simplesmente “tomando posição” contra ou a favor disto ou daquilo, não haverá esperança para a humanidade senão a de adaptar-se servilmente a controles globais cada vez mais opressivos e anticristãos. A estratégia do inimigo não é linear: ela é dialética. Ela articula forças contrárias, fazendo-as trabalhar pelo sucesso da síntese global. O que é preciso não é combater propostas isoladas – favorecendo na esfera cultural o que se abomina na da política, ou cedendo na economia aquilo que se pretende defender na esfera cultural –, mas compreender a lógica total do “sistema do Anticristo” e oferecer-lhe resistência integral, tão articulada quanto a estratégia de que ele se serve.

A rejeição categórica do diagnóstico econômico e das soluções propostas pelo Papa Bento XVI deve, portanto, vir junto com o apoio mais decidido aos valores gerais que ele proclama. E a melhor maneira de fazer isto é mostrar que esses valores vão no sentido precisamente oposto ao dos remédios que ele propõe.

8 de julho de 2009

A Nova Encíclica do Papa

Ontem foi divulgada a tão aguardada nova encíclica do Papa Caritas in Veritate. Ela trata do atual contexto mundial que submerge numa grave crise econômica, moral e política. O arrepiante é constatar que os comentários do Rodrigo Constantino, avesso a qualquer aceitação da realidade sobrenatural e, meio que por consequência, um crítico da Igreja Católica, estejam tão conectados com os comentários à encíclica feitos por Nivaldo Cordeiro, assim como o Constantino, um economista, porém, um notável analista católico. Confira abaixo os artigos e tirem suas próprias conclusões. LM.
O Governo Mundial do Papa

Por Rodrigo Constantino

"A esquerda política nunca entendeu que, se você dá ao governo poder suficiente para criar a ‘justiça social’, você deu a ele poder suficiente para criar o despotismo." (Thomas Sowell)

O Papa Bento XVI divulgou sua nova encíclica Caritas in Veritate, enaltecendo a mais socialista de todas as encíclicas anteriores, Populorum Progressio, escrita pelo Papa Paulo VI em 1967 (ver meu artigo “Altruísmo ou Socialismo?”, no livro Egoísmo Racional). Muitos católicos anticomunistas ainda depositavam esperança de que o novo Papa fosse permanecer razoavelmente afastado da “onda vermelha” que vem conquistando o mundo. No entanto, o fato é que o catolicismo ambíguo oferece farto material para socialistas também, dependendo da preferência do crente. E o Papa Bento XVI parece ter escolhido a crença no governo.

Logo no começo, Bento XVI afirma que seu “venerado predecessor Paulo VI iluminou o grande tema do desenvolvimento dos povos com o esplendor da verdade e com a luz suave da caridade de Cristo”. Essa luz toda não passa de uma condenação direta ao capitalismo, ao lucro e ao livre mercado. E eis que o novo Papa “economista” condena uma “atividade financeira mal utilizada e majoritariamente especulativa” pela crise atual, palavras que costumam sair da boca populista do presidente Lula com freqüência. Não obstante as impressões digitais dos governos em todas as cenas do crime nessa crise, o Papa acha que a solução passa por mais planejamento central: “Assim, a crise torna-se ocasião de discernimento e elaboração de nova planificação”.

Em seguida, o Papa faz uma defesa do welfare state, que seria aplaudido por quase todos os esquerdistas do mundo:

"O mercado, à medida que se foi tornando global, estimulou antes de mais nada, por parte de países ricos, a busca de áreas para onde deslocar as atividades produtivas a baixo custo a fim de reduzir os preços de muitos bens, aumentar o poder de compra e deste modo acelerar o índice de desenvolvimento centrado sobre um maior consumo pelo próprio mercado interno. Conseqüentemente, o mercado motivou novas formas de competição entre Estados procurando atrair centros produtivos de empresas estrangeiras através de variados instrumentos tais como impostos favoráveis e a desregulamentação do mundo do trabalho. Estes processos implicaram a redução das redes de segurança social em troca de maiores vantagens competitivas no mercado global, acarretando grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os direitos fundamentais do homem e a solidariedade atuada nas formas tradicionais do Estado social."

Pouco depois, o Papa ataca de sindicalista:

"Aqui, as políticas relativas ao orçamento com os seus cortes na despesa social, muitas vezes fomentados pelas próprias instituições financeiras internacionais, podem deixar os cidadãos impotentes diante de riscos antigos e novos; e tal impotência torna-se ainda maior devido à falta de proteção eficaz por parte das associações dos trabalhadores. O conjunto das mudanças sociais e econômicas faz com que as organizações sindicais sintam maiores dificuldades no desempenho do seu dever de representar os interesses dos trabalhadores, inclusive pelo fato de os governos, por razões de utilidade econômica, muitas vezes limitarem as liberdades sindicais ou a capacidade negociadora dos próprios sindicatos."

Não satisfeito, o Papa prega a simbiose entre economia e governo:

"A atividade econômica não pode resolver todos os problemas sociais através da simples extensão da lógica mercantil. Esta há de ter como finalidade a continuação do bem comum, do qual se deve ocupar também e, sobretudo a comunidade política. Por isso, tenha-se presente que é causa de graves desequilíbrios separar o agir econômico — ao qual competiria apenas produzir riqueza — do agir político, cuja função seria buscar a justiça através da redistribuição."

Por fim, o Papa acaba defendendo a tese do “governo mundial” através da ONU:

"Perante o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se imenso — mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial — a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitetura econômica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações. De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para atuar o princípio da responsabilidade de proteger e para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. Isto se revela necessário precisamente no âmbito de um ordenamento político, jurídico e econômico que incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e, em conseqüência, maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor, o Beato João XXIII."

Não há mais o que comentar. Aqueles que pensavam que teriam na Igreja Católica, com o Papa Bento XVI, um obstáculo ao avanço dos governos, precisam urgentemente de um choque de realidade. A história da Igreja Católica está manchada por relacionamentos sombrios com governos, mesmo os mais autoritários. A simbiose sempre existiu entre Estado e Igreja, com o clero defendendo o direito divino dos reis, e recebendo em troca inúmeros privilégios. “Dá a César o que é de César”, diz o catolicismo, contemporizando com o poder. O novo Papa apenas segue uma milenar tradição católica ao defender mais governo em nossas vidas. Para os mais atentos aos fatos, apenas mais do mesmo. Para os que nutriam esperança libertária no novo Papa, uma grande decepção.

As Palavras do Papa

Por Nivaldo Cordeiro

Li com tristeza a nova encíclica do Papa Bento XVI (Caritas in Veritate) por dois motivos principais. Primeiro, porque eu esperava uma palavra nova sobre os tremendos acontecimentos dos nossos tempos, e não falo apenas da crise econômica tão saliente que vivemos. E, segundo, pelas concessões que o Santo Padre fez às teses mais caras do esquerdismo mundial. Nunca esperei ver a assinatura do Cardeal Ratzinger em um documento que desse tanta ênfase ao politicamente correto e ao economicamente errado.

Certo, o Papa é o Vigário de Cristo, não o ministro da Economia nomeado por Deus na terra. Por isso mesmo um documento de valor teológico não deveria se esparramar de forma descuidada pela temática econômica, sociológica e política como está feito. Já no endereçamento aparece a palavra “desenvolvimento”, que me levou a pensar que o Papa trataria do caráter espiritual do termo. O texto usou a palavra, isso sim, na expressão consagrada pela literatura econômica desenvolvimentista que grassou mundo a partir de meados do século passado. Esses autores foram verdadeiros engenheiros sociais que quiseram fazer do Estado a alavanca para incrementar o crescimento econômico artificial. Associado a esse desenvolvimentismo vemos, no texto, o uso de propostas como a reforma agrária, algo não apenas anacrônico em termos econômicos, visto que a economia agrícola é aquela que mais se tem beneficiado de economias de escala e de novas e sofisticadas tecnologias, para o bem de toda a humanidade. Bem sabemos que no Brasil essa proposta está associada a uma visão revolucionária, que tem como fim último destruir a ordem como está, pondo no seu lugar alguma forma de socialismo. Onde se prega a reforma agrária prega-se a violência da revolução social.

Para meu grande espanto foi usado no texto a expressão “justiça social”, esse pleonasmo que está na boca de todos os partidos de esquerda do mundo. Não creio que Sua Santidade ignore isso. Por que o fez? Não faço idéia. Sei que a burocracia da Igreja, especialmente aquela fortalecida pelo Concílio Vaticano II, inoculou no texto esse vírus trágico da verborragia dos militantes políticos que fazem do Foro Social Mundial sua caixa de ressonância.

Eu queria ouvir uma palavra sobre a crise econômica mundial, uma análise justa e factual do que se passa. E a crise mundial é, sobretudo, a crise nos EUA. Por exemplo, a bancarrota da General Motors Corporation, fato de majoritária importância. Qual a grande lição a se tirar daqui? Que uma empresa capitalista não pode ficar sem um dono controlador ou mesmo uma família de controladores. A família é ela mesma a célula principal da economia, é o elemento estruturador da ordem. A GM naufragou porque seus novos donos são os sindicalistas que lhe impuseram condições de remuneração e benefícios incompatíveis com a economia de mercado, mostrando o quão nefastos podem vir a ser os sindicatos de trabalhadores, que desconectam os direitos das obrigações e ignoram que o consumidor não está disposto a pagar privilégios de ninguém, nem mesmo de sindicalistas. Essa lição deveria ter alertado o Papa que, no entanto, faz o seu oposto no texto, dando endosso incondicional da Igreja para que os sindicatos ampliem e prevaleçam na sua lógica tradicional. A primeira grande lição da crise é que a economia deve ser vista pelo ângulo dos consumidores, e não dos produtores, sejam os acionistas, os executivos ou os empregados e seus representantes sindicalistas.

Da mesma forma, essa crise mostrou que as organizações do chamado Terceiro Setor são uma fraude, uma enganação que só servem mesmo para a difusão de valores contrários à fé cristã. Não há caminho econômico alternativo ao capitalismo, ao império da propriedade privada e das relações do livre mercado. Essa crise chegou para colocar um ponto final na aventura dos engenheiros sociais que quiseram criar uma sociedade artificialmente ”justa”, à custa da prática da injustiça com aqueles que produzem valor. Justiça particularizada é a injustiça ela mesma.

Mas o que verdadeiramente me deixou insatisfeito foi a exortação a uma temível forma de governo mundial patrocinada pela ONU. Nas suas palavras:
“Perante o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se imenso — mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial — a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações”. De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para actuar o princípio da responsabilidade de proteger e para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. Isto revela-se necessário precisamente no âmbito de um ordenamento político, jurídico e económico que incremente e guie a colaboração internacional para o
desenvolvimento solidário de todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e em consequência maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor, o Beato João XXIII.”

Penso que o Papa aqui caiu em uma armadilha política sem retorno. Engajou a Igreja de Cristo em um projeto suicida. Uma forma de governo mundial, qualquer que seja ela, só existirá em prejuízo da pessoa humana, apartando os poderes públicos dos indivíduos em carne e osso. A grande falácia é que a crise poderia ser superada por uma forma de governo assim. Ao contrário. A crise aconteceu precisamente porque os governos nacionais se agigantaram na ânsia fáustica e blasfema de abolir o risco existencial, contra a vontade expressa de Deus. Nenhum governo tem esse poder, menos ainda uma governo mundial, e o Homem precisa ganhar o pão de cada dia com o suor de seu próprio rosto. Os governos atuais, nos quatros cantos da terra, nada mais fazem do que pilhar seus povos em grande escala, conforme podemos medir pelo tamanho da carga tributária que tem sido cobrada, gerando privilégios nauseantes para os detentores do poder político e seus associados, em prejuízo dos pagadores de impostos. Não há aqui qualquer caridade, qualquer coisa que remeta a Deus. Há mesmo é o reino da injustiça.

A experiência da União Européia, tão próxima ao Vaticano, ensina-nos o significado de um governo central que se sobrepõe a outros. Criou-se uma burocracia cara e parasita sobreposta às burocracias nacionais, pouco acrescentando de bem-estar na vida das pessoas, mas obrigando a uma significativa elevação de custos. Uma experiência dessas, levada à escala mundial, será o primeiro passo para a instalação de uma ditadura mundial, um colosso que só pode emergir em prejuízo dos valores cristãos, da própria liberdade que é da essência do cristianismo. Estamos aqui diante da realização inusitada da Terceira Tentação de Cristo. Ora, o próprio Cristo a rejeitou e sabia por que o fazia: o monstro Estatal tem sido, desde sempre o instrumento para a ação nefasta dos inimigos do Povo de Deus.

2 de julho de 2009

Na prática, laicismo é ANTIRELIGIÃO

Fifa repreende comemoração religiosa do Brasil na África
01 de Julho de 2009 20:24

A comemoração do Brasil pelo título da Copa das Confederações, na África do Sul, e o comportamento dos jogadores após a vitória sobre os Estados Unidos causaram polêmica na Europa. A queixa é de que a seleção estaria usando o futebol como palco para a religião. A Fifa confirmou à Agência Estado que mandou um alerta à CBF pedindo moderação na atitude dos jogadores mais religiosos, mas indicou que por enquanto não puniria os atletas, já que a manifestação ocorreu após o apito final.

Ao final do jogo contra os EUA, os jogadores da seleção brasileira fizeram uma roda no centro do campo e rezaram. A Associação Dinamarquesa de Futebol é uma das que não estão satisfeitas com a Fifa e quer posição mais firme. Pede punições para evitar que isso volte a ocorrer.

Com centenas de jogadores africanos, vários países europeus temem que a falta de uma punição por parte da Fifa abra caminho para extremismos religiosos e que o comportamento dos brasileiros seja repetido por muçulmanos que estão em vários clubes da Europa. Tanto a Fifa quanto os europeus concordam que não querem que o futebol se transforme em um palco para disputas religiosas, um tema sensível em várias partes do mundo. Mas, por enquanto, a Fifa não ousa punir o Brasil.

"A religião não tem lugar no futebol", afirmou Jim Stjerne Hansen, diretor da Associação Dinamarquesa. Para ele, a oração promovida pelos brasileiros em campo foi "exagerada". "Misturar religião e esporte daquela maneira foi quase criar um evento religioso em si. Da mesma forma que não podemos deixar a política entrar no futebol, a religião também precisa ficar fora", disse o dirigente ao jornal Politiken, da Dinamarca. À Agência Estado, a entidade confirmou que espera que a Fifa tome "providências" e que busca apoio de outras associações.

As regras da Fifa de fato impedem mensagens políticas ou religiosas em campo. A entidade prevê punições em casos de descumprimento. Por enquanto, a Fifa não tomou nenhuma decisão e insiste que a manifestação religiosa apenas ocorreu após a partida. Essa não é a primeira vez que o tema causa polêmica. Ao fim da Copa do Mundo de 2002, a comemoração do pentacampeonato brasileiro foi repleta de mensagens religiosas.

A Fifa mostrou seu desagrado na época. Mas disse que não teria como impedir a equipe que acabara de se sagrar campeã do mundo de comemorar à sua maneira. A entidade diz que está "monitorando" a situação. E confirma que "alertou a CBF sobre os procedimentos relevantes sobre o assunto". A Fifa alega que, no caso da final da Copa das Confederações, o ato dos brasileiros de se reunir para rezar ocorreu só após o apito final.. E as leis apenas falam da situação em jogo.

Fonte Yahoo Notícias.

Nota: O inevitável caminho do laicismo não como neutro à religião, mas como antireligião, foi mostrado por Olavo de Carvalho no magistral O Jardim das Aflições.