Apresentação
Os comentários de Miguel Reale Júnior postados a seguir retratam o que está à vista de todos: a indigência cultural, moral e religiosa do cenário nacional. O que terá produzido essa degradante situação?
Bem se vê que tal crise ultrapassa os limites culturais, penetra a fundo na esfera do comportamento moral e chega até às raízes religiosas. Há quarenta anos o que se vê nos sermões da Igreja progressista no Brasil é a pregação ad nauseam do amor humano – que facilmente resvala para o amor sensual e deste para o carnal. Juntamente com o amor, pregou-se nos púlpitos a idolatria da comunidade, da assembléia, do social. Na nova religião tudo é válido se feito em nome do amor, em comum ou aceito por todos. Nos confessionários foi amplamente praticada a tolerância e a aceitação dos novos costumes. O sagrado foi substituído pelos valores humanos em moda, mais flexíveis que os caniços de bambu.
Na escola e no lar passou-se um fenômeno análogo. A formação religiosa, moral e social de outrora evanesceu. Apresentaram-se substitutivos: a preservação do meio ambiente, a solidariedade, a cidadania e o mais. Os novos valores não tiveram o condão de impedir a demolição ou de empreender a reconstrução.
O amor e a vida grupal constituem os dois ingredientes mais fortes do programa Big Brother Brasil desde a sua primeira edição. A instituição familiar não é frontalmente atacada, mas só um cego não vê que ali é demolida em seus alicerces. O pudor – tão valorizado nos tempos do heróico cardeal Von Galen, como vimos em artigo aqui reproduzido[1]– parece cada vez mais algo tão fora de moda como os salões das marquesas francesas do Antigo Regime.
A quem questione a inserção da opinião de Miguel Reale Júnior neste site – por considerá-la demasiado chocante em sua crueza analítico-descritiva, ou por não perceber um nexo dela com a idéia-mestra da sacralidade – é preciso responder: o Brasil de hoje é como o filho pródigo da parábola do Evangelho. Abandonou as vias da civilização cristã e entregou-se ao pior espírito de seu tempo. Perdeu seu valor como uma moeda que rola pelo chão e cai na sarjeta. Enquanto não alcançar plena consciência e vergonha de seu estado vil, não sentirá saudades da casa paterna. A apetência de sacralidade só ressurgirá quando houver um imenso, generalizado e definitivo enfado.
Bem se vê que tal crise ultrapassa os limites culturais, penetra a fundo na esfera do comportamento moral e chega até às raízes religiosas. Há quarenta anos o que se vê nos sermões da Igreja progressista no Brasil é a pregação ad nauseam do amor humano – que facilmente resvala para o amor sensual e deste para o carnal. Juntamente com o amor, pregou-se nos púlpitos a idolatria da comunidade, da assembléia, do social. Na nova religião tudo é válido se feito em nome do amor, em comum ou aceito por todos. Nos confessionários foi amplamente praticada a tolerância e a aceitação dos novos costumes. O sagrado foi substituído pelos valores humanos em moda, mais flexíveis que os caniços de bambu.
Na escola e no lar passou-se um fenômeno análogo. A formação religiosa, moral e social de outrora evanesceu. Apresentaram-se substitutivos: a preservação do meio ambiente, a solidariedade, a cidadania e o mais. Os novos valores não tiveram o condão de impedir a demolição ou de empreender a reconstrução.
O amor e a vida grupal constituem os dois ingredientes mais fortes do programa Big Brother Brasil desde a sua primeira edição. A instituição familiar não é frontalmente atacada, mas só um cego não vê que ali é demolida em seus alicerces. O pudor – tão valorizado nos tempos do heróico cardeal Von Galen, como vimos em artigo aqui reproduzido[1]– parece cada vez mais algo tão fora de moda como os salões das marquesas francesas do Antigo Regime.
A quem questione a inserção da opinião de Miguel Reale Júnior neste site – por considerá-la demasiado chocante em sua crueza analítico-descritiva, ou por não perceber um nexo dela com a idéia-mestra da sacralidade – é preciso responder: o Brasil de hoje é como o filho pródigo da parábola do Evangelho. Abandonou as vias da civilização cristã e entregou-se ao pior espírito de seu tempo. Perdeu seu valor como uma moeda que rola pelo chão e cai na sarjeta. Enquanto não alcançar plena consciência e vergonha de seu estado vil, não sentirá saudades da casa paterna. A apetência de sacralidade só ressurgirá quando houver um imenso, generalizado e definitivo enfado.
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Big Brother Brasil
Por Miguel Reale Júnior
Programas como Big Brother indicam a completa perda do pudor, ausência de noção do que cabe permanecer entre quatro paredes. Desfazer-se a diferença entre o que deve ser exibido e o que deve ser ocultado. Assim, expõe-se ao grande público a realidade íntima das pessoas por meios virtuais, com absoluto desvelamento das zonas de exclusividade. A privacidade passa a ser vivida no espaço público.
O Big Brother Brasil, a Baixaria Brega do Brasil, faz de todos os telespectadores voyeurs de cenas protagonizadas na realidade de uma casa ocupada por pessoas que expõem publicamente suas zonas de vida mais íntima, em busca de dinheiro e sucesso. Tentei acompanhar o programa. Suportei apenas dez minutos: o suficiente para notar que estes violadores da própria privacidade falam em péssimo português obviedades com pretenso ar pascaliano, com jeito ansioso de serem engraçadamente profundos.
Mas o público concede elevadas audiências de 35 pontos e aciona, mediante pagamento da ligação, 18 milhões de telefonemas para participar do chamado "paredão", quando um dos protagonistas há de ser eliminado. Por sites da internet se pode saber do dia-a-dia desse reino do despudor e do mau gosto. As moças ensinam a dança do bumbum para cima. As festas abrem espaço para a sacanagem geral. Uma das moças no baile funk bebe sem parar. Embriagada, levanta a blusa, a mostrar os seios. Depois, no banheiro, se põe a fazer depilação. Uma das participantes acorda com sangue nos lençóis, a revelar ter tido menstruação durante a noite. Outra convivente resiste a uma conquista, mas depois de assediada cede ao cerco com cinematográfico beijo no insistente conquistador que em seguida ridiculamente chora por ter traído a namorada à vista de todo o Brasil. A moça assediada, no entanto, diz que o beijo superou as expectativas. É possível conjunto mais significativo de vulgaridade chocante?
Instala-se o império do mau gosto. O programa gera a perda do respeito de si mesmo por parte dos protagonistas, prometendo-lhes sucesso ao custo da violação consentida da intimidade. Mas o pior: estimula o telespectador a se divertir com a baixeza e a intimidade alheia. O Big Brother explora os maus instintos ao promover o exemplo de bebedeiras, de erotismo tosco e ilimitado, de burrice continuada, num festival de elevada deselegância.
O gosto do mal e mau gosto são igualmente sinais dos tempos, caracterizados pela decomposição dos valores da pessoa humana, portadora de dignidade só realizável de fixados limites intransponíveis de respeito a si própria e ao próximo, de preservação da privacidade e de vivência da solidariedade na comunhão social. O grande desafio de hoje é de ordem ética: construir uma vida em que o outro não valha apenas por satisfazer necessidades sensíveis.
Proletários do espírito, uni-vos, para se libertarem dos grilhões da mundialização, que plastifica as consciências.
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[1] O Leão de Münster e Pio XII
Miguel Reale Júnior, advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras.
O Big Brother Brasil, a Baixaria Brega do Brasil, faz de todos os telespectadores voyeurs de cenas protagonizadas na realidade de uma casa ocupada por pessoas que expõem publicamente suas zonas de vida mais íntima, em busca de dinheiro e sucesso. Tentei acompanhar o programa. Suportei apenas dez minutos: o suficiente para notar que estes violadores da própria privacidade falam em péssimo português obviedades com pretenso ar pascaliano, com jeito ansioso de serem engraçadamente profundos.
Mas o público concede elevadas audiências de 35 pontos e aciona, mediante pagamento da ligação, 18 milhões de telefonemas para participar do chamado "paredão", quando um dos protagonistas há de ser eliminado. Por sites da internet se pode saber do dia-a-dia desse reino do despudor e do mau gosto. As moças ensinam a dança do bumbum para cima. As festas abrem espaço para a sacanagem geral. Uma das moças no baile funk bebe sem parar. Embriagada, levanta a blusa, a mostrar os seios. Depois, no banheiro, se põe a fazer depilação. Uma das participantes acorda com sangue nos lençóis, a revelar ter tido menstruação durante a noite. Outra convivente resiste a uma conquista, mas depois de assediada cede ao cerco com cinematográfico beijo no insistente conquistador que em seguida ridiculamente chora por ter traído a namorada à vista de todo o Brasil. A moça assediada, no entanto, diz que o beijo superou as expectativas. É possível conjunto mais significativo de vulgaridade chocante?
Instala-se o império do mau gosto. O programa gera a perda do respeito de si mesmo por parte dos protagonistas, prometendo-lhes sucesso ao custo da violação consentida da intimidade. Mas o pior: estimula o telespectador a se divertir com a baixeza e a intimidade alheia. O Big Brother explora os maus instintos ao promover o exemplo de bebedeiras, de erotismo tosco e ilimitado, de burrice continuada, num festival de elevada deselegância.
O gosto do mal e mau gosto são igualmente sinais dos tempos, caracterizados pela decomposição dos valores da pessoa humana, portadora de dignidade só realizável de fixados limites intransponíveis de respeito a si própria e ao próximo, de preservação da privacidade e de vivência da solidariedade na comunhão social. O grande desafio de hoje é de ordem ética: construir uma vida em que o outro não valha apenas por satisfazer necessidades sensíveis.
Proletários do espírito, uni-vos, para se libertarem dos grilhões da mundialização, que plastifica as consciências.
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[1] O Leão de Münster e Pio XII
Miguel Reale Júnior, advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras.
Artigo publicado em 02.02.2009 no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO.
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