Ontem foi divulgada a tão aguardada nova encíclica do Papa Caritas in Veritate. Ela trata do atual contexto mundial que submerge numa grave crise econômica, moral e política. O arrepiante é constatar que os comentários do Rodrigo Constantino, avesso a qualquer aceitação da realidade sobrenatural e, meio que por consequência, um crítico da Igreja Católica, estejam tão conectados com os comentários à encíclica feitos por Nivaldo Cordeiro, assim como o Constantino, um economista, porém, um notável analista católico. Confira abaixo os artigos e tirem suas próprias conclusões. LM.
O Governo Mundial do Papa
Por Rodrigo Constantino
"A esquerda política nunca entendeu que, se você dá ao governo poder suficiente para criar a ‘justiça social’, você deu a ele poder suficiente para criar o despotismo." (Thomas Sowell)
O Papa Bento XVI divulgou sua nova encíclica Caritas in Veritate, enaltecendo a mais socialista de todas as encíclicas anteriores, Populorum Progressio, escrita pelo Papa Paulo VI em 1967 (ver meu artigo “Altruísmo ou Socialismo?”, no livro Egoísmo Racional). Muitos católicos anticomunistas ainda depositavam esperança de que o novo Papa fosse permanecer razoavelmente afastado da “onda vermelha” que vem conquistando o mundo. No entanto, o fato é que o catolicismo ambíguo oferece farto material para socialistas também, dependendo da preferência do crente. E o Papa Bento XVI parece ter escolhido a crença no governo.
Logo no começo, Bento XVI afirma que seu “venerado predecessor Paulo VI iluminou o grande tema do desenvolvimento dos povos com o esplendor da verdade e com a luz suave da caridade de Cristo”. Essa luz toda não passa de uma condenação direta ao capitalismo, ao lucro e ao livre mercado. E eis que o novo Papa “economista” condena uma “atividade financeira mal utilizada e majoritariamente especulativa” pela crise atual, palavras que costumam sair da boca populista do presidente Lula com freqüência. Não obstante as impressões digitais dos governos em todas as cenas do crime nessa crise, o Papa acha que a solução passa por mais planejamento central: “Assim, a crise torna-se ocasião de discernimento e elaboração de nova planificação”.
Em seguida, o Papa faz uma defesa do welfare state, que seria aplaudido por quase todos os esquerdistas do mundo:
"O mercado, à medida que se foi tornando global, estimulou antes de mais nada, por parte de países ricos, a busca de áreas para onde deslocar as atividades produtivas a baixo custo a fim de reduzir os preços de muitos bens, aumentar o poder de compra e deste modo acelerar o índice de desenvolvimento centrado sobre um maior consumo pelo próprio mercado interno. Conseqüentemente, o mercado motivou novas formas de competição entre Estados procurando atrair centros produtivos de empresas estrangeiras através de variados instrumentos tais como impostos favoráveis e a desregulamentação do mundo do trabalho. Estes processos implicaram a redução das redes de segurança social em troca de maiores vantagens competitivas no mercado global, acarretando grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os direitos fundamentais do homem e a solidariedade atuada nas formas tradicionais do Estado social."
Pouco depois, o Papa ataca de sindicalista:
"Aqui, as políticas relativas ao orçamento com os seus cortes na despesa social, muitas vezes fomentados pelas próprias instituições financeiras internacionais, podem deixar os cidadãos impotentes diante de riscos antigos e novos; e tal impotência torna-se ainda maior devido à falta de proteção eficaz por parte das associações dos trabalhadores. O conjunto das mudanças sociais e econômicas faz com que as organizações sindicais sintam maiores dificuldades no desempenho do seu dever de representar os interesses dos trabalhadores, inclusive pelo fato de os governos, por razões de utilidade econômica, muitas vezes limitarem as liberdades sindicais ou a capacidade negociadora dos próprios sindicatos."
Não satisfeito, o Papa prega a simbiose entre economia e governo:
"A atividade econômica não pode resolver todos os problemas sociais através da simples extensão da lógica mercantil. Esta há de ter como finalidade a continuação do bem comum, do qual se deve ocupar também e, sobretudo a comunidade política. Por isso, tenha-se presente que é causa de graves desequilíbrios separar o agir econômico — ao qual competiria apenas produzir riqueza — do agir político, cuja função seria buscar a justiça através da redistribuição."
Por fim, o Papa acaba defendendo a tese do “governo mundial” através da ONU:
"Perante o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se imenso — mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial — a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitetura econômica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações. De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para atuar o princípio da responsabilidade de proteger e para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. Isto se revela necessário precisamente no âmbito de um ordenamento político, jurídico e econômico que incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e, em conseqüência, maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor, o Beato João XXIII."
Não há mais o que comentar. Aqueles que pensavam que teriam na Igreja Católica, com o Papa Bento XVI, um obstáculo ao avanço dos governos, precisam urgentemente de um choque de realidade. A história da Igreja Católica está manchada por relacionamentos sombrios com governos, mesmo os mais autoritários. A simbiose sempre existiu entre Estado e Igreja, com o clero defendendo o direito divino dos reis, e recebendo em troca inúmeros privilégios. “Dá a César o que é de César”, diz o catolicismo, contemporizando com o poder. O novo Papa apenas segue uma milenar tradição católica ao defender mais governo em nossas vidas. Para os mais atentos aos fatos, apenas mais do mesmo. Para os que nutriam esperança libertária no novo Papa, uma grande decepção.
Por Rodrigo Constantino
"A esquerda política nunca entendeu que, se você dá ao governo poder suficiente para criar a ‘justiça social’, você deu a ele poder suficiente para criar o despotismo." (Thomas Sowell)
O Papa Bento XVI divulgou sua nova encíclica Caritas in Veritate, enaltecendo a mais socialista de todas as encíclicas anteriores, Populorum Progressio, escrita pelo Papa Paulo VI em 1967 (ver meu artigo “Altruísmo ou Socialismo?”, no livro Egoísmo Racional). Muitos católicos anticomunistas ainda depositavam esperança de que o novo Papa fosse permanecer razoavelmente afastado da “onda vermelha” que vem conquistando o mundo. No entanto, o fato é que o catolicismo ambíguo oferece farto material para socialistas também, dependendo da preferência do crente. E o Papa Bento XVI parece ter escolhido a crença no governo.
Logo no começo, Bento XVI afirma que seu “venerado predecessor Paulo VI iluminou o grande tema do desenvolvimento dos povos com o esplendor da verdade e com a luz suave da caridade de Cristo”. Essa luz toda não passa de uma condenação direta ao capitalismo, ao lucro e ao livre mercado. E eis que o novo Papa “economista” condena uma “atividade financeira mal utilizada e majoritariamente especulativa” pela crise atual, palavras que costumam sair da boca populista do presidente Lula com freqüência. Não obstante as impressões digitais dos governos em todas as cenas do crime nessa crise, o Papa acha que a solução passa por mais planejamento central: “Assim, a crise torna-se ocasião de discernimento e elaboração de nova planificação”.
Em seguida, o Papa faz uma defesa do welfare state, que seria aplaudido por quase todos os esquerdistas do mundo:
"O mercado, à medida que se foi tornando global, estimulou antes de mais nada, por parte de países ricos, a busca de áreas para onde deslocar as atividades produtivas a baixo custo a fim de reduzir os preços de muitos bens, aumentar o poder de compra e deste modo acelerar o índice de desenvolvimento centrado sobre um maior consumo pelo próprio mercado interno. Conseqüentemente, o mercado motivou novas formas de competição entre Estados procurando atrair centros produtivos de empresas estrangeiras através de variados instrumentos tais como impostos favoráveis e a desregulamentação do mundo do trabalho. Estes processos implicaram a redução das redes de segurança social em troca de maiores vantagens competitivas no mercado global, acarretando grave perigo para os direitos dos trabalhadores, os direitos fundamentais do homem e a solidariedade atuada nas formas tradicionais do Estado social."
Pouco depois, o Papa ataca de sindicalista:
"Aqui, as políticas relativas ao orçamento com os seus cortes na despesa social, muitas vezes fomentados pelas próprias instituições financeiras internacionais, podem deixar os cidadãos impotentes diante de riscos antigos e novos; e tal impotência torna-se ainda maior devido à falta de proteção eficaz por parte das associações dos trabalhadores. O conjunto das mudanças sociais e econômicas faz com que as organizações sindicais sintam maiores dificuldades no desempenho do seu dever de representar os interesses dos trabalhadores, inclusive pelo fato de os governos, por razões de utilidade econômica, muitas vezes limitarem as liberdades sindicais ou a capacidade negociadora dos próprios sindicatos."
Não satisfeito, o Papa prega a simbiose entre economia e governo:
"A atividade econômica não pode resolver todos os problemas sociais através da simples extensão da lógica mercantil. Esta há de ter como finalidade a continuação do bem comum, do qual se deve ocupar também e, sobretudo a comunidade política. Por isso, tenha-se presente que é causa de graves desequilíbrios separar o agir econômico — ao qual competiria apenas produzir riqueza — do agir político, cuja função seria buscar a justiça através da redistribuição."
Por fim, o Papa acaba defendendo a tese do “governo mundial” através da ONU:
"Perante o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se imenso — mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial — a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitetura econômica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações. De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para atuar o princípio da responsabilidade de proteger e para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. Isto se revela necessário precisamente no âmbito de um ordenamento político, jurídico e econômico que incremente e guie a colaboração internacional para o desenvolvimento solidário de todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e, em conseqüência, maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor, o Beato João XXIII."
Não há mais o que comentar. Aqueles que pensavam que teriam na Igreja Católica, com o Papa Bento XVI, um obstáculo ao avanço dos governos, precisam urgentemente de um choque de realidade. A história da Igreja Católica está manchada por relacionamentos sombrios com governos, mesmo os mais autoritários. A simbiose sempre existiu entre Estado e Igreja, com o clero defendendo o direito divino dos reis, e recebendo em troca inúmeros privilégios. “Dá a César o que é de César”, diz o catolicismo, contemporizando com o poder. O novo Papa apenas segue uma milenar tradição católica ao defender mais governo em nossas vidas. Para os mais atentos aos fatos, apenas mais do mesmo. Para os que nutriam esperança libertária no novo Papa, uma grande decepção.
As Palavras do Papa
Por Nivaldo Cordeiro
Li com tristeza a nova encíclica do Papa Bento XVI (Caritas in Veritate) por dois motivos principais. Primeiro, porque eu esperava uma palavra nova sobre os tremendos acontecimentos dos nossos tempos, e não falo apenas da crise econômica tão saliente que vivemos. E, segundo, pelas concessões que o Santo Padre fez às teses mais caras do esquerdismo mundial. Nunca esperei ver a assinatura do Cardeal Ratzinger em um documento que desse tanta ênfase ao politicamente correto e ao economicamente errado.
Certo, o Papa é o Vigário de Cristo, não o ministro da Economia nomeado por Deus na terra. Por isso mesmo um documento de valor teológico não deveria se esparramar de forma descuidada pela temática econômica, sociológica e política como está feito. Já no endereçamento aparece a palavra “desenvolvimento”, que me levou a pensar que o Papa trataria do caráter espiritual do termo. O texto usou a palavra, isso sim, na expressão consagrada pela literatura econômica desenvolvimentista que grassou mundo a partir de meados do século passado. Esses autores foram verdadeiros engenheiros sociais que quiseram fazer do Estado a alavanca para incrementar o crescimento econômico artificial. Associado a esse desenvolvimentismo vemos, no texto, o uso de propostas como a reforma agrária, algo não apenas anacrônico em termos econômicos, visto que a economia agrícola é aquela que mais se tem beneficiado de economias de escala e de novas e sofisticadas tecnologias, para o bem de toda a humanidade. Bem sabemos que no Brasil essa proposta está associada a uma visão revolucionária, que tem como fim último destruir a ordem como está, pondo no seu lugar alguma forma de socialismo. Onde se prega a reforma agrária prega-se a violência da revolução social.
Para meu grande espanto foi usado no texto a expressão “justiça social”, esse pleonasmo que está na boca de todos os partidos de esquerda do mundo. Não creio que Sua Santidade ignore isso. Por que o fez? Não faço idéia. Sei que a burocracia da Igreja, especialmente aquela fortalecida pelo Concílio Vaticano II, inoculou no texto esse vírus trágico da verborragia dos militantes políticos que fazem do Foro Social Mundial sua caixa de ressonância.
Eu queria ouvir uma palavra sobre a crise econômica mundial, uma análise justa e factual do que se passa. E a crise mundial é, sobretudo, a crise nos EUA. Por exemplo, a bancarrota da General Motors Corporation, fato de majoritária importância. Qual a grande lição a se tirar daqui? Que uma empresa capitalista não pode ficar sem um dono controlador ou mesmo uma família de controladores. A família é ela mesma a célula principal da economia, é o elemento estruturador da ordem. A GM naufragou porque seus novos donos são os sindicalistas que lhe impuseram condições de remuneração e benefícios incompatíveis com a economia de mercado, mostrando o quão nefastos podem vir a ser os sindicatos de trabalhadores, que desconectam os direitos das obrigações e ignoram que o consumidor não está disposto a pagar privilégios de ninguém, nem mesmo de sindicalistas. Essa lição deveria ter alertado o Papa que, no entanto, faz o seu oposto no texto, dando endosso incondicional da Igreja para que os sindicatos ampliem e prevaleçam na sua lógica tradicional. A primeira grande lição da crise é que a economia deve ser vista pelo ângulo dos consumidores, e não dos produtores, sejam os acionistas, os executivos ou os empregados e seus representantes sindicalistas.
Da mesma forma, essa crise mostrou que as organizações do chamado Terceiro Setor são uma fraude, uma enganação que só servem mesmo para a difusão de valores contrários à fé cristã. Não há caminho econômico alternativo ao capitalismo, ao império da propriedade privada e das relações do livre mercado. Essa crise chegou para colocar um ponto final na aventura dos engenheiros sociais que quiseram criar uma sociedade artificialmente ”justa”, à custa da prática da injustiça com aqueles que produzem valor. Justiça particularizada é a injustiça ela mesma.
Mas o que verdadeiramente me deixou insatisfeito foi a exortação a uma temível forma de governo mundial patrocinada pela ONU. Nas suas palavras:
Por Nivaldo Cordeiro
Li com tristeza a nova encíclica do Papa Bento XVI (Caritas in Veritate) por dois motivos principais. Primeiro, porque eu esperava uma palavra nova sobre os tremendos acontecimentos dos nossos tempos, e não falo apenas da crise econômica tão saliente que vivemos. E, segundo, pelas concessões que o Santo Padre fez às teses mais caras do esquerdismo mundial. Nunca esperei ver a assinatura do Cardeal Ratzinger em um documento que desse tanta ênfase ao politicamente correto e ao economicamente errado.
Certo, o Papa é o Vigário de Cristo, não o ministro da Economia nomeado por Deus na terra. Por isso mesmo um documento de valor teológico não deveria se esparramar de forma descuidada pela temática econômica, sociológica e política como está feito. Já no endereçamento aparece a palavra “desenvolvimento”, que me levou a pensar que o Papa trataria do caráter espiritual do termo. O texto usou a palavra, isso sim, na expressão consagrada pela literatura econômica desenvolvimentista que grassou mundo a partir de meados do século passado. Esses autores foram verdadeiros engenheiros sociais que quiseram fazer do Estado a alavanca para incrementar o crescimento econômico artificial. Associado a esse desenvolvimentismo vemos, no texto, o uso de propostas como a reforma agrária, algo não apenas anacrônico em termos econômicos, visto que a economia agrícola é aquela que mais se tem beneficiado de economias de escala e de novas e sofisticadas tecnologias, para o bem de toda a humanidade. Bem sabemos que no Brasil essa proposta está associada a uma visão revolucionária, que tem como fim último destruir a ordem como está, pondo no seu lugar alguma forma de socialismo. Onde se prega a reforma agrária prega-se a violência da revolução social.
Para meu grande espanto foi usado no texto a expressão “justiça social”, esse pleonasmo que está na boca de todos os partidos de esquerda do mundo. Não creio que Sua Santidade ignore isso. Por que o fez? Não faço idéia. Sei que a burocracia da Igreja, especialmente aquela fortalecida pelo Concílio Vaticano II, inoculou no texto esse vírus trágico da verborragia dos militantes políticos que fazem do Foro Social Mundial sua caixa de ressonância.
Eu queria ouvir uma palavra sobre a crise econômica mundial, uma análise justa e factual do que se passa. E a crise mundial é, sobretudo, a crise nos EUA. Por exemplo, a bancarrota da General Motors Corporation, fato de majoritária importância. Qual a grande lição a se tirar daqui? Que uma empresa capitalista não pode ficar sem um dono controlador ou mesmo uma família de controladores. A família é ela mesma a célula principal da economia, é o elemento estruturador da ordem. A GM naufragou porque seus novos donos são os sindicalistas que lhe impuseram condições de remuneração e benefícios incompatíveis com a economia de mercado, mostrando o quão nefastos podem vir a ser os sindicatos de trabalhadores, que desconectam os direitos das obrigações e ignoram que o consumidor não está disposto a pagar privilégios de ninguém, nem mesmo de sindicalistas. Essa lição deveria ter alertado o Papa que, no entanto, faz o seu oposto no texto, dando endosso incondicional da Igreja para que os sindicatos ampliem e prevaleçam na sua lógica tradicional. A primeira grande lição da crise é que a economia deve ser vista pelo ângulo dos consumidores, e não dos produtores, sejam os acionistas, os executivos ou os empregados e seus representantes sindicalistas.
Da mesma forma, essa crise mostrou que as organizações do chamado Terceiro Setor são uma fraude, uma enganação que só servem mesmo para a difusão de valores contrários à fé cristã. Não há caminho econômico alternativo ao capitalismo, ao império da propriedade privada e das relações do livre mercado. Essa crise chegou para colocar um ponto final na aventura dos engenheiros sociais que quiseram criar uma sociedade artificialmente ”justa”, à custa da prática da injustiça com aqueles que produzem valor. Justiça particularizada é a injustiça ela mesma.
Mas o que verdadeiramente me deixou insatisfeito foi a exortação a uma temível forma de governo mundial patrocinada pela ONU. Nas suas palavras:
“Perante o crescimento incessante da interdependência mundial, sente-se imenso — mesmo no meio de uma recessão igualmente mundial — a urgência de uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitectura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações”. De igual modo sente-se a urgência de encontrar formas inovadoras para actuar o princípio da responsabilidade de proteger e para atribuir também às nações mais pobres uma voz eficaz nas decisões comuns. Isto revela-se necessário precisamente no âmbito de um ordenamento político, jurídico e económico que incremente e guie a colaboração internacional para o
desenvolvimento solidário de todos os povos. Para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e em consequência maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor, o Beato João XXIII.”
Penso que o Papa aqui caiu em uma armadilha política sem retorno. Engajou a Igreja de Cristo em um projeto suicida. Uma forma de governo mundial, qualquer que seja ela, só existirá em prejuízo da pessoa humana, apartando os poderes públicos dos indivíduos em carne e osso. A grande falácia é que a crise poderia ser superada por uma forma de governo assim. Ao contrário. A crise aconteceu precisamente porque os governos nacionais se agigantaram na ânsia fáustica e blasfema de abolir o risco existencial, contra a vontade expressa de Deus. Nenhum governo tem esse poder, menos ainda uma governo mundial, e o Homem precisa ganhar o pão de cada dia com o suor de seu próprio rosto. Os governos atuais, nos quatros cantos da terra, nada mais fazem do que pilhar seus povos em grande escala, conforme podemos medir pelo tamanho da carga tributária que tem sido cobrada, gerando privilégios nauseantes para os detentores do poder político e seus associados, em prejuízo dos pagadores de impostos. Não há aqui qualquer caridade, qualquer coisa que remeta a Deus. Há mesmo é o reino da injustiça.
A experiência da União Européia, tão próxima ao Vaticano, ensina-nos o significado de um governo central que se sobrepõe a outros. Criou-se uma burocracia cara e parasita sobreposta às burocracias nacionais, pouco acrescentando de bem-estar na vida das pessoas, mas obrigando a uma significativa elevação de custos. Uma experiência dessas, levada à escala mundial, será o primeiro passo para a instalação de uma ditadura mundial, um colosso que só pode emergir em prejuízo dos valores cristãos, da própria liberdade que é da essência do cristianismo. Estamos aqui diante da realização inusitada da Terceira Tentação de Cristo. Ora, o próprio Cristo a rejeitou e sabia por que o fazia: o monstro Estatal tem sido, desde sempre o instrumento para a ação nefasta dos inimigos do Povo de Deus.
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