11 de julho de 2009

Professor Felipe Aquino comenta nova encíclica do Papa

Depois das análises de Nivaldo Cordeiro e Olavo de Carvalho divulgados neste blog, segue abaixo uma entrevista com o Professor Felipe Aquino. Aqui o professor adota uma postura de apoio ao conteúdo da Encíclica, não vendo nenhum problema conforme pretenderam alertar Nivaldo e Olavo. De minha parte, ainda prefiro manter o alerta. LM.
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Em entrevista ao noticias.cancaonova.com, o apresentador da TV e Rádio Canção Nova, professor Felipe Aquino, destacou os principais pontos da encíclica e ressaltou que o Papa quer chamar atenção para que a caridade se realize dentro da moral e da ética, ou seja, dentro da verdade.

noticias.cancaonova.com - O que representa esta encíclica no conjunto das encíclicas sociais da Igreja, levando em consideração o contexto atual de crise financeira mundial e, também, nesta semana, a reunião do G8?
Prof. Felipe Aquino - Sabemos que desde que a primeira encíclica foi escrita pelo Papa Leão XIII, a Rerum Novarum, em 1891, a Igreja começou a acompanhar a questão social do mundo. Esta vai mudando com o passar do tempo. Por isso, os papas subseqüentes a Leão XIII, como o Papa Paulo VI, João XXIII e João Paulo II, escreveram outras encíclicas de cunho social. São várias encíclicas, aproximadamente dez. E agora, Bento XVI escreve essa, “Caridade na Verdade”, justamente enfocando a situação em que vivemos hoje. Uma situação que na verdade é social, política e moral, como disse o Papa. Então, o que ele quer é a luz de Cristo iluminando essa situação. Primeiro saber o porquê de estarmos vivendo essa crise econômica que, para o Papa, tem uma forte conotação moral. Ou seja, é uma crise de ganância, uma crise onde se visa só o lucro, deixando de lugar muitas vezes o ser humano. É uma crise, portanto, que tem características morais, políticas e humanas.

noticias.cancaonova.com - Como seria o panorama histórico das encíclicas sociais, desde a Rerum Novarum?
Prof. Felipe Aquino - Esta primeira de Leão XIII foi na época da Revolução Industrial, principalmente na Inglaterra e Europa, onde muitos trabalhadores deixaram o campo e foram para as cidades e, muitas vezes, trabalhavam de maneira explorada, muitas horas por dia, sem direitos e sindicatos. Isto deu origem, inclusive, ao comunismo que pretendia, de maneira errada, resolver o problema social. Assim, a Doutrina Social da Igreja quer resolver o problema social de maneira correta. Não basta resolver o problema, deve ser de maneira correta. Não pode ser pela violência, pela luta de classes, jogando patrões contra empregados ou fazendo com que os empregados tomassem o poder, como foi a Revolução Comunista de 1917, na Rússia, que, no entanto, não deu resultado, até que a Rússia comunista desabou.

Assim, a Doutrina Social da Igreja veio justamente para isso: veio com a Revolução Industrial, com o Comunismo, quando o Papa Pio XI escreveu uma outra encíclica condenando o comunismo. Depois, o Papa João XXIII com a Mater et Magistra, a Igreja como Mãe e Mestra, ensinando a sociedade a viver como irmãos e a utilizar a mensagem cristã para resolver o problema social, com um apelo à consciência dos governantes, patrões e também dos empregados, para que haja convivência e diálogo. Depois quem deu uma contribuição muito grande foi o Papa Paulo VI, com a Populorum Progressio, com a qual o Papa Bento XVI começa a sua nova encíclica. Esta é da década de 70, quando Paulo VI colocava a questão do desenvolvimento no mundo e dizia que este é importante para sanar os problemas sociais do homem, como o desemprego, fome, falta de moradia etc, mas tudo isso deve ser feito dentro de um contexto de harmonia. E ele dava muita ênfase para que não acontecesse ricos cada vez mais ricos à custa de pobres cada vez mais pobres. Destacou, portanto, uma grande verdade que nós conhecemos: 50% da riqueza do mundo estão na mão de 5% de pessoas, enquanto que uma maioria de 95% fica com 50% da riqueza. Há um desequilíbrio econômico e social e a falta de uma justa distribuição de renda, sem apelar para a violência.

João Paulo II veio e colocou isso com mais profundidade, fazendo também uma análise na questão do trabalho e sua importância. Na Encíclica Sollicitudo Rei Socialis, de 1988, colocou a dimensão do trabalho e do capital. Tudo sua importância, tem seu valor, mas visando o bem estar do homem e não visando o lucro. A Igreja não condena o lucro e nem a propriedade privada. O Papa João Paulo II disse uma frase muito importante, em uma de suas encíclicas sociais: “Sobre toda propriedade privada pesa uma hipoteca social”, ou seja, toda propriedade deve estar a serviço da sociedade. Ela pode ser de alguém, ter um dono, mas a empresa, a fazenda, a indústria tem o direito de estar na mão de alguém, mas deve favorecer o progresso da humanidade.

Essa iluminação cristã da questão social, política e econômica é o que as encíclicas colocam. E agora, Bento XVI coloca a questão do momento que estamos vivendo. Não coloca tanto a questão da política, de mudanças de governo, mas coloca uma coisa muito interessante: propõe uma reformulação da Organização das Nações Unidas (ONU). Ele diz que o organismo tem 191 nações agregadas, contudo não tem conseguido mobilizar essas nações, por exemplo, para acabar com a fome no mundo. E isto é possível, porque se o mundo colocou no mercado, devido a essa crise econômica, algo em torno de cinco ou seis trilhões de dólares – e com um décimo desse dinheiro daria para acabar com a fome no mundo – é porque falta vontade política, que precisa ser despertada, trabalhada e fomentada pela ONU. E se a ONU não faz isso, disse o Papa, ela precisa ser reformulada.

noticias.cancaonova.com - Quais os pontos principais do documento?
Prof. Felipe Aquino - Eu penso que o nome de uma encíclica é algo que retrata o coração dela. O Papa quer, portanto, a caridade dentro da verdade. Isso faz a gente lembrar aquela frase de Santo Agostinho: “Não se imponha a verdade sem caridade, mas não se sacrifique a verdade em nome da caridade”. Ou seja, a caridade deve ser feita dentro da verdade e isto tem a ver com a moral católica. E Bento XVI coloca bem essa questão: a moral católica não aceita que se faça o bem através do mal. Não se pode atingir um “sim bom” a partir de um “meio mal”. Por exemplo, não se pode fomentar a luta de classes, jogar patrões contra empregados porque é uma injustiça social e vai derramar sangue. Ou ainda: não se pode usar dinheiro de narcotráfico para matar a fome dos pobres, pois seria uma caridade fora da verdade. A verdade aí é a Lei de Cristo, é a moral. Então o que o Papa quer ensinar é que devemos fazer a caridade dentro da moral, da ética. Não é fazer a caridade a qualquer custo, sair roubando, pegando do rico para dar ao pobre, pois isso seria causar mais confusão ainda, mais problema social. Então, penso que o âmago da questão que o Papa quer chamar é isso: vamos resolver o problema da caridade, isto é, vamos resolver o problema social mas dentro da verdade, da Lei de Cristo. Não é, por exemplo, apelando para um controle drástico da natalidade, acabar com a população e impedir a vida de acontecer que vamos acabar com o problema da fome no mundo. Aí, ele recorda Paulo VI: não se trata de diminuir o número de pessoas em torno da mesa, mas se trata de aumentar a comida. É possível aumentar a comida. Ela está aí, mas falta vontade política das nações de colocarem o dinheiro e produzir. Nós sabemos que muitos países da Europa não querem produzir porque não compensa, o preço cai muito.

noticias.cancaonova.com - E como deve repercutir na América Latina?
Prof. Felipe Aquino - Sem dúvida a palavra do Papa sempre repercute e essa encíclica vai repercutir por causa da crise que a humanidade está vivendo. Então, o mundo vai ouvir a voz do Papa. Infelizmente, como sabemos, nem sempre as sociedades ouvem a voz do papa. Se tivessem ouvido a voz, por exemplo, de Bento XV, não teria acontecido a Segunda Guerra Mundial. Se tivessem ouvido a voz de Pio X, a Primeira Guerra não teria ocorrido, porque o Papa alertou as nações na época. Assim, sabemos que a voz do Papa não é ouvida por muitos, apenas por aqueles governantes e empresários cristãos, mas o é por toda a Igreja, todo o clero. Eu não tenho dúvida que essa encíclica será muito estudada e faço questão de no meu programa, tanto na rádio, como na televisão, desdobrar os pontos mais importantes para que, principalmente, os cristãos ouçam o Papa. E esse Papa é extraordinário. Um Papa adulto, santo, maduro, sábio. Um homem que viveu 80 anos, atravessou duas guerras mundiais, viveu a Alemanha do Hitler e conhece o mundo na palma da mão. Um homem que tem um perfil adequadíssimo para nos falar. E ele está falando, vamos, então, ouvi-lo.

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