3 de fevereiro de 2009

Pacto de Metz: A Igreja Católica se aliou ao comunismo?

O Pacto de Metz teria sido um acordo, assinado em Metz, na França, entre a Igreja, representada pelo Cardeal Tisserant (que tinha junto consigo o então Cardeal Montini, futuro Paulo VI) e a URSS, através do Patriarca de Moscou, Nikodim, testa de ferro do regime comunista. Com a formalização desse pacto, ficaria acordado que a igreja cismática enviaria observadores ao Concílio e, em contrapartida, haveria total silêncio acerca do comunismo. Da mesma forma, com o mesmo espírito conspiratório, rumores afirmam que na verdade o Pacto de Metz não passou de uma invenção da KGB para denegrir a Igreja.

A excomunhão ao comunismo é reflexo do ateísmo e materialismo que fazem parte da essência dessa doutrina. Destarte, aqueles que se encaixam no decreto de S.S Pio XII são os que aderem ao marxismo enquanto concepção filosófica anti-cristã, revolucionária, anti-natural, totalitária etc, ou seja, apóstata. Como bem sabemos, a excomunhão latae sententiae se faz em casos de apostasia, heresia, cisma etc. Mesmo com a existência de tal pacto, nenhum dos envolvidos, João XXIII, Cardeal Tisserant, Cardeal Montini, tinham a intenção de criar um cisma, muito menos apostatar da fé. Era um acordo, assinado entre dois Sucessores dos Apóstolos, afinal Nikodim foi ordenado validamente, que tinha como objetivo o silêncio, não a defesa inconteste do comunismo ateu. Ainda vale lembrar que o Papa, enquanto supremo legislador eclesiástico, pode suprimir a lei temporariamente, quando achar oportuno. Ademais, a excomunhão é automática para os que aderem ao comunismo enquanto doutrina filosófica materialista e atéia, o que gera apostasia, daí a excomunhão latae sententiae. Quem se diz socialista, crendo que socialismo é justiça social, não cai em excomunhão automática. O que deve ser levado em questão não é a filiação nominal, mas a profundidade ideológica. Desse modo, o Concílio foi legítimo, tanto com o Beato João XXIII, de onde teria partido a ordem, e com Paulo VI, que teria participado do acordo ainda como Cardeal. Entretanto, é pertinente relembrar que há uma grande diferença entre assinar um documento defendendo o comunismo, com consciência da incongruência entre o materialismo dialético e o cristianismo, com total condescendência ao erro marxista, e um acordo que tinha como objetivo não relembrar as condenações ao comunismo no Concílio. Até porque, como o tal pacto envolveria diretamente um Papa, João XXIII, o mesmo que proibiu católicos de se aliarem a partidos e políticos comunistas, e dois Cardeais, é legítimo concluir que eles sabiam que mesmo com a omissão do comunismo no Vaticano II, isso em nada modificaria os anátemas já feitos, logo, mesmo com a existência do Pacto, não teriam a inocência de acreditar que esse silêncio revogaria anos de ensinamentos.

Dois pontos de grande relevância; o Concílio optou por utilizar um método positivo, sem anatemizar e recondenar o que já havia sido condenado. Ora, com pacto ou sem pacto, o Vaticano II não faria uma taxativa condenação ao comunismo, vale lembrar que milhares de instituições religiosas foram questionados sobre os assuntos que queriam que fossem abordados no Concílio; o comunismo nem apareceu na lista. Outra questão que não podemos nos esquecer, o Magistério da Igreja é contínuo, infalível nos seus ensinamentos, não se anula nem entra em contradição. O comunismo já via sido condenado desde o Beato Pio IX, logo, mesmo com o Concílio não relembrando a anatemização do materialismo dialético, este continuaria execrável. Mesmo existindo esse Pacto de Metz, esqueceram de avisar ao então Arcebispo de Cracóvia, Karol Józef Wojtyla, afinal, S.S João Paulo II, o Papa que colocou na prática o Concílio, era abertamente anticomunista e fez da derrubada dos regimes genocidas totalitários socialistas sua bandeira pessoal.

Não obstante, é pertinente recordar que o comunismo foi lembrado no Concílio e condenado, não da forma “syllabica” que alguns queriam, mas dentro da metodologia conciliar;


“O ateísmo moderno apresenta muitas vezes uma forma sistemática, a qual, prescindindo de outros motivos, leva o desejo de autonomia do homem a um tal grau que constitui um obstáculo a qualquer dependência com relação a Deus. Os que professam tal ateísmo, pretendem que a liberdade consiste em ser o homem o seu próprio fim, autor único e demiurgo da sua história; e pensam que isso é incompatível com o reconhecimento de um Senhor, autor e fim de todas as coisas; ou que, pelo menos, torna tal afirmação plenamente supérflua. O sentimento de poder que os progressos técnicos hodiernos deram ao homem pode favorecer esta doutrina.

Não se deve passar em silêncio, entre as formas actuais de ateísmo, aquela que espera a libertação do homem sobretudo da sua libertação económica. A esta, dizem, opõe-se por sua natureza a religião, na medida em que, dando ao homem a esperança duma enganosa vida futura, o afasta da construção da cidade terrena. Por isso, os que professam esta doutrina, quando alcançam o poder, atacam violentamente a religião, difundindo o ateísmo também por aqueles meios de pressão de que dispõe o poder público, sobretudo na educação da juventude.” (GS, 20)

“Fiel quer a Deus e quer aos homens, a Igreja não pode deixar de reprovar com firmeza, como reprovou até agora, aquelas doutrinas e
atividades perniciosas que contradizem à razão e à experiência humana universal e privam o homem de sua grandeza inata.” (GS, 21)

Com pacto ou sem pacto, nós nunca iremos saber se o Concílio condenaria nominalmente o comunismo. O tal acordo em Metz seria muito inócuo, afinal o Vaticano II escolhera uma metodologia positiva, ou seja, uma taxativa anatemização entraria em contradição com a própria organização conciliar. Sem o pacto, na concepção dos seus defensores, o Concílio faria uma concessão metodológica ao condenar o materialismo dialético. Não obstante, vale frisar, que mesmo com essa taxativa excomunhão, o desenrolar da história nos leva a crer que nada se modificaria na corrupção de partes do clero pela doutrina comunista, assim como a infiltração de agentes socializantes na Igreja. O ataque a institucionalização, a hierarquia, a estrutura clerical, se tornou a bandeira dos socialistas ditos cristãos. Ora, com a recordação dos anátemas, apenas se consolidaria o discurso dos defensores do materialismo, criando uma realidade bipolar, se melhor ou pior do que o a que se formou, não saberemos.

Por Pedro Ravazzano, blog Acarajé Conservador.


Trocando ideia sobre o texto

O texto do Pedro é muito revelador. Mas abaixo exponho uma dúvida que ainda permaneceu e que lancei ao Pedro, a qual ele respondeu com muita propriedade. Minha dúvida é baseada no argumento do frenquente crítico desse pacto, o filósofo Olavo de Carvalho. O argumento é o seguinte:


"um pouco antes do Concílio a Igreja de Roma assinou com as autoridades soviéticas o tristemente célebre Pacto de Metz, que a obrigava a abster-se de toda denúncia contra os regimes comunistas durante as sessões do Concílio. O pacto, que era secreto, foi ocultado da imprensa ocidental e não foi divulgado senão algum tempo depois, pelos jornais soviéticos. Se você leva em conta que até essa época os regimes comunistas já tinham matado quase uma centena de milhões de pessoas, das quais pelo menos uns trinta milhões de cristãos que não tinham cometido outro crime senão o de ser cristãos, você compreende a gravidade quase infinita desse acordo. Hoje em dia condena-se o Papa Pio XII por ter feito certo silêncio em torno da perseguição aos judeus na Alemanha, mas quem queira desculpá-lo pode ao menos alegar, para raciocinar por absurdo, que não eram ovelhas do seu rebanho, que ele não tinha a obrigação de dar o alarme se o lobo atacava apenas as ovelhas do seu vizinho. Mas o que se pode pensar do pastor que entrega ao lobo as ovelhas do seu próprio rebanho? Ante essa cumplicidade abominável, as críticas bem polidas e de ordem puramente teórica que a Igreja continuou a fazer ao marxismo não passam de hipocrisia. E como você haveria de querer que, depois de coisas desse gênero, milhões de fiéis não perdessem a confiança na Igreja e não escolhessem ser, ao menos a título provisório, cristãos sem Igreja? Foi o Vaticano que traiu a confiança deles, é a ele que cabe arrepender-se e lhes pedir perdão, em vez de fazer essas ridículas genuflexões rituais ante o mundo ateu, que se tornaram a moda oficial do dia."
(Em http://www.olavodecarvalho.org/textos/europalivre.htm)


Achei estas considerações do Olavo bastante pertinentes, pois ora, não seria uma atitude anti-cristã silenciar perante um genocídio contra os próprios cristãos? Você escreveu sobre o tema, e em certo sentido seu artigo é uma boa defesa, mas é boa se desconsiderarmos que naquele instante estava ocorrendo uma matança em larga escala. Parece que este é o fato relevante, e não a confortável condenação circunscrita ao campo das ideias.

O que você acha?
Abraço,
Lucas

A resposta do Pedro ao argumento do Olavo foi essa:

Lucas,
PAX DOMINIO

Olavo quando fala da Igreja não consegue nem mesmo disfarçar seu amadorismo e sua análise quase sempre pessoal e apaixonada! Nesse comentário ele próprio responde a sua insinuação contra a Igreja! Qual o motivo de S.S Pio XII não ter enfrentado de forma armada o Nazismo? (Vale lembrar que Pio XI, por meio do Núncio na Alemanha, o então Cardeal Pacelli, condenou o nacional-socialismo, além disso, o próprio Pio XII mandou que todo o clero protegesse e salvaguardasse a comunidade judaica). Simplesmente temia pela vida do povo católico que vivia sob o jugo do regime nazista. Como disse Marcus Melchior, rabino chefe da Dinamarca "se o Papa tivesse tomado explicitamente uma posição, Hitler provavelmente teria massacrado bem mais do que seis milhões de judeus e talvez dez vezes dez milhões de católicos, se tivesse oportunidade para isso". A mesma coisa vale para o silêncio da Igreja em relação ao regime soviético. Primeiramente se faz necessário frisar que o Magistério da Igreja, contínuo e verdadeiro, nunca entra em contradição, daí que nenhum Papa tivesse a audácia de considerar depostos os ensinamentos, desde Pio IX, a respeito da oposição entre socialismo e catolicismo. Desse modo, podemos afirmar com clareza que a postura da Igreja foi essencial para zelar e resguardar a vida das comunidades católicas. Imagine o terror que teria sido instaurado se houvesse um briga pública entre Roma e a URSS? Olavo acha que a Igreja é uma Instituição meramente humana, não, ela tem um fim claramente espiritual. Claro que a condenação ao comunismo sempre é oportuna e essencial, ainda mais no mundo de hoje, mas além da Igreja já ter o condenado - o que, a priori, não faz de extrema necessidade outra condenação - a vida eclesial no Leste Europeu estava em risco. Quer dizer que o Vaticano deveria ter priorizado a REAFIRMAÇÃO daquilo que já tinha sido afirmado dezenas de vezes do que a salvação dos fiéis humilhados pelo regime comunista? Isso me lembra a história do próprio Wojtyla. Em toda a sua vida apostólica na Polônia jamais abriu a boca para criticar diretamente o comunismo institucionalizado, e por quê? Simplesmente acreditava que a derrubada do totalitarismo ateu se fazia pela conscientização do Amor de Deus aos homens, a defesa radical do cristianismo, o zelo eucarístico e doutrinário. Tudo isso, inevitavelmente, desaguava no claro entendimento da incongruência essencial entre o socialismo e a catolicidade! Alguém chamaria João Paulo II de aliado dos comunistas, logo ele que fez da derrubada da Cortina de Ferro quase uma missão especial? De forma alguma! Esse exemplo apenas mostra que, diferentemente do que querem, a Igreja não é uma mera organização anticomunista, e mesmo parecendo absurdo para alguns, as atitudes da Esposa de Cristo sempre se fundamentam na Verdade! Se apenas hoje a Igreja começa a se reerguer nos países assolados pelos soviéticos imagine como seria a realidade se nessas nações tivesse ocorrido uma caça declarada aos católicos devotos, o que sem dúvida existiria havendo o confronto direto entre Roma e Moscou? Isso é algo lógico, afinal, se o Vaticano atacaria os comunistas quem os comunistas atacariam em resposta ao Vaticano?

Abraços,

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