27 de fevereiro de 2009

A Inquisição II

Por D. Estevão Bittencourt, osb. Sequência de A Inquisição I.
Procedimentos da Inquisição
As táticas utilizadas pelos Inquisidores são-nos hoje conhecidas, pois ainda se conservaram Manuais de instruções práticas entregues ao uso dos referidos oficiais. Quem lê tais textos, verifica que as autoridades visavam a fazer dos juíses inquisitoriais autênticos representantes da justiça e da causa do bem. Bernardo de Gui (séc. XIV), por exemplo, tido como um dos mais severos inquisidores, dava as seguintes normas aos seus colegas: “O Inquisidor deve ser diligente e fervoroso no seu zelo pela verdade religiosa, pela salvação das almas e pela extirpação das heresias. Em meio às dificuldades permanecerá calmo, nunca cederá cólera nem à indignação... Nos casos duvidosos, seja circunspecto, não dê fácil crédito ao que parece provável e muitas vezes não é verdade,´ também não rejeite obstinadamente a opinião contrária, pois o que parece improvável freqüentemente acaba por ser comprovado como verdade... O amor da verdade e a piedade, que devem residir no coração de um juiz, brilhem nos seus olhos, a fim de que suas decisões jamais possam parecer ditadas pela cupidez e a crueldade” (Prática VI p... ed. Douis 232s).
Já que mais de uma vez se encontram instruções tais nos arquivos da Inquisição, não se poderia crer que o apregoado ideal do Juiz Inquisidor, ao mesmo tempo eqüitativo e bom, se realizou com mais freqüência do que comumente se pensa? Não se deve esquecer, porém, (como adiante mais explicitamente se dirá) que as categorias pelas quais se afirmava a justiça na ldade Média, não eram exatamente as da época moderna... Além disto, levar´se´á em conta que o papel do juiz, sempre difícil, era particularmente árduo nos casos da Inquisição: o povo e as autoridades civis estavam profundamente interessados no desfecho dos processos; pelo que, não raro exerciam pressão para obter a sentença mais favorável a caprichos ou a interesses temporais; às vezes, a população obcecada aguardava ansiosamente o dia em que o veredictum do juiz entregaria ao braço secular os hereges comprovados. Em tais circunstâncias não era fácil aos juízes manter a serenidade desejável. Dentre as táticas adotadas pelos Inquisidores, merecem particular atenção a tortura e a entrega ao poder secular (pena de morte). A tortura estava em uso entre os gregos e romanos pré-cristãos que quisessem obrigar um escravo a confessar seu delito. Certos povos germânicos também a praticavam. Em 866, porém, dirigindo-se aos búlgaros, o Papa Nicolau I a condenou formalmente. Não obstante, a tortura foi de novo adotada pelos tribunais civis da Idade Média nos inícios do séc. XII, dado o renascimento do Direito Romano. Nos processos inquisitoriais, o Papa Inocêncio IV acabou por introduzi´la em 1252, com a cláusula: “Não haja mutilação de membros nem perigo de morte” para o réu. O Pontífice, permitindo tal praxe, dizia conformar´se aos costumes vigentes em seu tempo (Bullarum amplissima collectio II 326). Os Papas subseqüentes, assim como os Manuais dos lnquisidores, procuraram restringir a aplicação da tortura; só seria lícita depois de esgotados os outros recursos para investigar a culpa e apenas nos casos em que já houvesse meia´prova do delito ou, como dizia a linguagem técnica, dois “índices veementes” deste, a saber: o depoimento de testemunhas fidedignas, de um lado, e, de outro lado, a má fama, os maus costumes ou tentativas de fuga do réu. O Concílio de Viena (França) em 1311 mandou outrossim que os Inquisidores só recorressem a tortura depois que uma comissão julgadora e o bispo diocesano a houvessem aprovado para cada caso em particular. Apesar de tudo que a tortura apresenta de horroroso, ela tem sido conciliada com a mentalidade do mundo moderno... ainda estava oficialmente em uso na França do séc. XVIII e tem sido aplicada até mesmo em nossos dias... Quanto à pena de morte, reconhecida pelo antigo Direito Romano, estava em vigor na jurisdição civil da Idade Média. Sabe´se, porém, que as autoridades eclesiásticas eram contrárias à sua aplicação em casos de lesa´religião.
Contudo, após o surto do catarismo (séc. XII), alguns canonistas começaram a julgá-la oportuna, apelando para o exemplo do Imperador Justiniano, que no séc. VI a infligira aos maniqueus. Em 1199 o Papa Inocêncio III dirigia-se aos magistrados de Viterbo nos seguintes termos: “Conforme a lei civil, os réus de lesa´majestade são punidos com a pena capital e seus bens são confiscados. Com muito mais razão, portanto, aqueles que, desertando a fé, ofendem a Jesus, o Filho do Senhor Deus, devem ser separados da comunhão cristã e despojados de seus bens, pois muito mais grave é ofender a Majestade Divina do que lesar a majestade humana” (epist. 2,1). Como se vê, o Sumo Pontífice com essas palavras desejava apenas justificar a excomunhão e a confiscação de bens dos hereges; estabelecia, porém, uma comparação que daria ocasião a nova praxe...
O Imperador Frederico II soube deduzir-lhe as últimas conseqüências: tendo lembrado numa Constituição de 1220 a frase final de lnocêncio III, o monarca, em 1224, decretava francamente para a Lombaria a pena de morte contra os hereges e, já que o Direito antigo assinalava o fogo em tais casos, o Imperador os condenava a ser queimados vivos. Em 1230 o dominicano Guala, tendo subido à cátedra episcopal de Bréscia (Itália), fez aplicação da lei imperial na sua diocese. Por fim, o Papa Gregório IX, que tinha intercâmbio freqüente com Guala, adotou o modo de ver deste bispo: transcreveu em 1230 ou 1231 a constituição imperial de 1224 para o Registro das Cartas Pontifícias e em breve editou uma lei pela qual mandava que os hereges reconhecidos pela Inquisição fossem abandonados ao poder civil, para receber o devido castigo, castigo que, segundo a legislação de Frederico II, seria a morte pelo fogo. Os teólogos e canonistas da época se empenharam por justificar a nova praxe; eis como fazia S. Tomás de Aquino: “É muito mais grave corromper a fé, que é a vida da alma, do que falsificar a moeda que é um meio de prover à vida temporal Se, pois, os falsificadores de moedas e outros malfeitores são, a bom direito, condenados à morte pelos príncipes seculares, com muito mais razão os hereges, desde que sejam comprovados tais, podem não somente ser excomungados, mas também em toda justiça ser condenados à morte” (Suma Teológica II/II 11,3c) A argumentação do S. Doutor procede do princípio (sem dúvida, autêntico em si) de que a vida da alma mais vale do que a do corpo; se, pois, alguém pela heresia ameaça a vida espiritual do próximo, comete maior mal do que quem assalta a vida corporal; o bem comum então exige a remoção do grave perigo (veja´se também S. Teol. II/II 11,4c). Contudo as execuções capitais não foram tão numerosas quanto se poderia crer. Infelizmente faltam´nos estatísticas completas sobre o assunto; consta, porém, que o tribunal de Pamiers, de 1303 a 1324, pronunciou 75 sentenças condenatórias, das quais apenas cinco mandavam entregar o réu ao poder civil (o que equivalia à morte); o Inquisidor Bernardo de Gui em Tolosa, de 1308 a 1323, proferiu 930 sentenças, das quais 42 eram capitais; no primeiro caso, a proporção é de 1/15; no segundo caso, de 1/22.
Não se poderia negar, porém, que houve injustiças e abusos da autoridade por parte dos juízes inquisitoriais. Tais males se devem a conduta de pessoas que, em virtude da fraqueza humana, não foram sempre fiéis cumpridoras da sua missão. Os Inquisidores trabalhavam a distâncias mais ou menos consideráveis de Roma, numa época em que, dada a precariedade de correios e comunicações, não podiam ser assiduamente controlados pela suprema autoridade da lgreja. Esta, porém, não deixava de os censurar devidamente, quando recebia notícia de algum desmando verificado em tal ou tal região. Famoso, por exemplo, é o caso de Roberto o Bugro, lnquisidor-Mor de França no século XIII O Papa Gregório IX a princípio muito o felicitava por seu zelo. Roberto, porém, tendo aderido outrora à heresia, mostrava´se excessivamente violento na repressão da mesma. Informado dos desmandos praticados pelo lnquisidor, o Papa o destituiu de suas funções e mandou encarcerar. lnocêncio IV, o mesmo Pontífice que permitiu a tortura nos processos da inquisição, e Alexandre IV, respectivamente em 1246 e 1256, mandaram aos Padres Provinciais e Gerais dos Dominicanos e Franciscanos, depusessem os Inquisidores de sua Ordem que se lhes tornassem notórios por sua crueldade. O Papa Bonifácio VIII (1294´1303), famoso pela tenacidade e intransigência de suas atitudes, foi um dos que mais reprimiram os excessos dos lnquisidores, mandando examinar, ou simplesmente anulando, sentenças proferidas por estes. O Concílio regional de Narbona (França) em 1243 promulgou 29 artigos que visavam a impedir abusos do poder. Entre outras normas, prescrevia aos Inquisidores só proferissem sentença condenatória nos casos em que, com segurança, tivessem apurado alguma falta, “pois mais vale deixar um culpado impune do que condenar um inocente” (cânon 23). Dirigindo-se ao Imperador Frederico II, pioneiro dos métodos inquisitoriais, o Papa Gregório IX aos 15 de julho de 1233 lhe lembrava que “a arma manejada pelo imperador Não devia servir para satisfazer aos seus rancores pessoais, com grande escândalo das populações, com detrimento da verdade e da dignidade imperial” (ep. saec. XIII 538-550). Avaliação Procuremos agora formular um juízo sobre a lnquisição medieval. Não é necessário ao católico justificar tudo que, em nome desta, foi feito. É preciso, porém, que se entendam as intenções e a mentalidade que moveram a autoridade eclesiástica a instituir a Inquisição. Estas intenções, dentro do quadro de pensamento da Idade Média, eram legítimas, diríamos até: deviam parecer aos medievais inspiradas por santo zelo. Podem-se reduzir a quatro os fatores que influiram decisivamente no surto e no andamento da Inquisição:
1) os medievais tinham profunda consciência do valor da alma e dos bens espirituais. Tão grande era o amor à fé (esteio da vida espiritual) que se considerava a deturpação da fé pela heresia como um dos maiores crimes que o homem pudesse cometer (notem´se os textos de S. Tomás e do Imperador Frederico II atrás citados); essa fé era tão viva e espontânea que dificilmente se admitiria viesse alguém a negar com boas intenções um só dos artigos do Credo.
2) As categorias de justiça na Idade Média eram um tanto diferentes das nossas: havia muito mais espontaneidade (que as vezes equivalia a rudez) na defesa dos direitos. Pode´se dizer que os medievais, no caso, seguiam mais o rigor da lógica do que a ternura do sentimentos; o raciocínio abstrato e rígido neles prevalecia por vezes sobre o senso psicológico (nos tempos atuais verifica´se quase o contrário: muito se apela para a psicologia e o sentimento, pouco se segue a lógica; os homens modernos não acreditam muito em princípios perenes; tendem a tudo julgar segundo critérios relativos e relativistas, critérios de moda e de preferência subjetiva).
3) A intervenção do poder secular exerceu profunda influência no desenvolvimento da inquisição. As autoridades civis anteciparam´se na aplicação da forma física e da pena de morte aos hereges; instigaram a autoridade eclesiástica para que agisse energicamente; provocaram certos abusos motivados pela cobiça de vantagens políticas ou materiais. De resto, o poder espiritual e o temporal na Idade Média estavam, ao menos em tese, tão unidos entre si que lhes parecia normal, recorressem um ao outro em tudo que dissesse respeito ao bem comum. A partir dos inícios do séc. XIV a lnquisição foi sendo mais explorada pelos monarcas, que dela se serviam para promover seus interesses particulares, subtraindo´a às diretivas do poder eclesiástico, até mesmo encaminhando´a contra este; é o que aparece claramente no processo inquisitório dos Templários, movido por Filipe o Belo da França (1285´1314) à revelia do Papa Clemente V; cf. capítulo 25.
4) Não se negará a fraqueza humana de Inquisidores e de oficiais seus colaboradores. Não seria Iícito, porém, dizer que a suprema autoridade da Igreja tenha pactuado com esses fatos de fraqueza; ao contrário, tem´se o testemunho de numerosos protestos enviados pelos Papas e Concílios a tais ou tais oficiais, contra tais leis e tais atitudes inquisitoriais. As declarações oficiais da Igreja concernentes à Inquisição se enquadram bem dentro das categorias da justiça medieval; a injustiça se verificou na execução concreta das leis. Diz´se, de resto, que cada época da história apresenta ao observador um enigma próprio na antigüidade remota, o que surpreende são os desumanos procedimentos de guerra. No lmpério Romano, é a mentalidade dos cidadãos, que não conheciam o mundo sem o seu lmpério (oikouméne ´ orbe habitado ´ lmperium), nem concebiam o Império sem a escravatura. Na época contemporânea, é o relativismo ou ceticismo público; é a utilização dos requintes da técnica para “lavar o crânio”, desfazer a personalidade, fomentar o ódio e a paixão. Não seria então possível que os medievais, com boa fé na consciência, tenham recorrido a medidas repressivas do mal que o homem moderno, com razão, julga demasiado violentas? Quanto a Inquisição Romana, instituída no séc. XVI, era herdeira das leis e da mentalidade da lnquisição medieval. No tocante à Inquisição Espanhola, sabe´se que agiu mais por influência dos monarcas da Espanha do que sob a responsabilidade da suprema autoridade da Igreja.

26 de fevereiro de 2009

A Inquisição I

Por D. Estevão Bettencourt, osb

A Inquisição não foi criada de uma só vez, nem procedeu do mesmo modo no decorrer dos séculos. Por isto distinguem-se:

1) A Inquisição Medieval, voltada contra as heresias cátara e valdense nos séculos XII/XIII e contra falsos misticismos nos séculos XIV/XV;

2) A Inquisição Espanhola, instituída em 1478 por iniciativa dos reis Fernando e Isabel; visando principalmente aos judeus e muçulmanos, tornou´se poderoso instrumento do absolutismo dos monarcas espanhóis até o século XIX, a ponto de quase não poder ser considerada instituição eclesiástica (não raro a lnquisição Espanhola procedeu independentemente de Roma, resistindo à intervenção da Santa Sé, porque o rei de Espanha a esta se opunha);

3) A Inquisição Romana (também dita “o Santo Ofício”), instituída em 1542 pelo Papa Paulo III, em vista do surto do protestantismo. Apesar das modalidades próprias, a Inquisição medieval e a romana foram movidas por princípios e mentalidade características. Passamos a examinar essa mentalidade e os procedimentos de tal instituição, principalmente como nos são transmitidos por documentos medievais.

Antecedentes da Inquisição

Contra os hereges a Igreja antiga aplicava penas espirituais, principalmente a excomunhão; não pensava em usar a força bruta. Quando, porém, o lmperador romano se tornou cristão, a situação dos hereges mudou. Sendo o Cristianismo religião de Estado, os Césares quiseram continuar a exercer para com este os direitos dos lmperadores romanos (Pontífices maximi) em relação à religião pagã; quando arianos, perseguiam os católicos; quando católicos, perseguiam os hereges. A heresia era tida como um crime civil, e todo atentado contra a religião oficial como atentado contra a sociedade; não se deveria ser mais clemente para com um crime cometido contra a Majestade Divina do que para com os crimes de lesa´majestade humana. As penas aplicadas, do século IV em diante, eram geralmente a proibição de fazer testamento, a confiscação dos bens, o exílio. A pena de morte foi infligida pelo poder civil aos maniqueus e aos donatistas; aliás, já Diocleciano em 300 parece ter decretado a pena de morte pelo fogo para os maniqueus, que eram contrários à matéria e aos bens materiais. Agostinho, de início, rejeitava qualquer pena temporal para os hereges. Vendo, porém, os danos causados pelos donatistas (circumcelliones), propugnava os açoites e o exílio, não a tortura nem a pena de morte. Já que o Estado pune o adultério, argumentava, deve punir também a heresia, pois não é pecado mais leve a alma não conservar fidelidade (fides, fé) a Deus do que a mulher trair o marido (epist. 185, n21, a Bonifácio). Afirmava, porém, que os infiéis não devem ser obrigados a abraçar a fé, mas os hereges devem ser punidos e obrigados ao menos a ouvir a verdade. As sentenças dos Padres da lgreja sobre a pena de morte dos hereges variavam. São João Crisóstomo (†407), bispo de Constantinopla, baseando´se na parábola do joio e do trigo, considerava a execução de um herege como culpa gravíssima; não excluia, porém, medidas repressivas. A execução de Prisciliano, prescrita por Máximo lmperador em Tréviris (385), foi geralmente condenada pelos porta´vozes da lgreja, principalmente por S.Martinho e S. Ambrósio. Das penas infligidas pelo Estado aos hereges não constava a prisão; esta parece ter tido origem nos mosteiros, donde foi transferida para a vida civil. Os reis merovíngios e carolíngios castigavam crimes eclesiásticos com penas civis assim como aplicavam penas eclesiásticas a crimes civis. Chegamos assim ao fim do primeiro milênio. A Inquisição teria origem pouco depois.

As origens da Inquisição

No antigo Direito Romano, o juiz não empreendia a procura dos criminosos; só procedia ao julgamento depois que Ihe fosse apresentada a denúncia. Até a Alta ldade Média, o mesmo se deu na Igreja; a autoridade eclesiástica não procedia contra os delitos se estes não Ihe fossem previamente apresentados. No decorrer dos tempos, porém, esta praxe mostrou´se insuficiente.
Além disto, no séc. XI apareceu na Europa nova forma de delito religioso, isto é, uma heresia fanática e revolucionária, como não houvera até então: o catarismo (do grego katharós, puro) ou o movimento dos albigenses (de Albi, cidade da França meridional, onde os hereges tinham seu foco principal). Considerando a matéria por si os cátaros rejeitavam não somente a face visível da lgreja, mas também instituições básicas da vida civil ´ o matrimônio, a autoridade governamental, o serviço militar ´ e enalteciam o suicídio. Destarte constituiam grave ameaça não somente para a fé cristã, mas também para a vida pública; ver capítulo 29. Em bandos fanáticos, às vezes apoiados por nobres senhores, os cátaros provocavam tumultos, ataques às igrejas, etc., por todo o decorrer do séc. XI até 1150 aproximadamente, na França, na Alemanha, nos Países´Baixos... O povo, com a sua espontaneidade, e a autoridade civil se encarregavam de os reprimir com violência: não raro o poder régio da França, por iniciativa própria e a contra´gosto dos bispos, condenou à morte pregadores albigenses, visto que solapavam os fundamentos da ordem constituída. Foi o que se deu, por exemplo, em Orleães (1017), onde o rei Roberto, informado de um surto de heresia na cidade, compareceu pessoalmente, procedeu ao exame dos hereges e os mandou lançar ao fogo; a causa da civilização e da ordem pública se identificava com a fé! Entrementes a autoridade eclesiástica limitava´se a impor penas espirituais (excomunhão, interdito, etc.) aos albigenses, pois até então nenhuma das muitas heresias conhecidas havia sido combatida por violência física; S. Agostinho (†430) e antigos bispos, S. Bernardo († 1154), S. Norberto († 1134) e outros mestres medievais eram contrários ao uso da forma (“Sejam os hereges conquistados não pelas armas, mas pelos argumentos”, admoestava São Bernardo, In Cant, serm. 64).
Não são casos isolados os seguintes: em 1144 na cidade de Lião o povo quis punir violentamente um grupo de inovadores que aí se introduzira: o clero, porém, os salvou, desejando a sua conversão, e não a sua morte. Em 1077 um herege professou seus erros diante do bispo de Cambraia; a multidão de populares lançou´se então sobre ele, sem esperar o julgamento, encerrando´o numa cabana, a qual atearam o fogo! Contudo em meados do século XII a aparente indiferença do clero se mostrou insustentável: os magistrados e o povo exigiam colaboração mais direta na repressão do catarismo. Muito significativo, por exemplo, é o episódio seguinte: o Papa Alexandre III, em 1162, escreveu ao arcebispo de Reims e ao Conde de Flândria, em cujo território os cátaros provocavam desordens:\\\\ “Mais vale absolver culpados do que, por excessiva severidade, atacar a vida de inocentes.. A mansidão mais convém aos homens da Igreja do que a dureza.. Não queiras ser justo demais (noli nimium esse iustus)” lnformado desta admoestação pontifícia, o rei Luís VII de França, irmão do referido arcebispo, enviou ao Papa um documento em que o descontentamento e o respeito se traduziam simultaneamente: “Que vossa prudência dê atenção toda particular a essa peste (a heresia) e a suprima antes que possa crescer. Suplico-vos para bem da fé cristã. concedei todos os poderes neste Campo ao arcebispo (do Reims), ele destruirá os que assim se insurgem contra Deus, sua justa severidade será louvada por todos aqueles que nesta terra são animados de verdadeira piedade. Se procederdes de outro modo, as queixas não se acalmarão facilmente e desencadeareis contra a Igreja Romana as violentas recriminações da opinião pública” (Martene,, Amplissima Collectio II 638s). As conseqüências deste intercâmbio epistolar não se fizeram esperar muito: o concílio regional de Tours em 1163, tomando medidas repressivas à heresia, mandava inqüirir (procurar) os seus agrupamentos secretos. Por fim, a assembléia de Verona (Itália), à qual compareceram o Papa Lúcio III, o lmperador Frederico Barba´roxa, numerosos bispos, prelados e príncipes, baixou em 1184 um decreto de grande importância: o poder eclesiástico e o civil, que até então haviam agido independentemente um do outro (aquele impondo penas espirituais, este recorrendo à força física), deveriam combinar seus esforços em vista de mais eficientes resultados: os hereges seriam doravante não somente punidos, mas também procurados (inquiridos); cada bispo inspecionaria, por si ou por pessoas de confiança uma ou duas vezes por ano, as paróquias suspeitas; os condes, barões e as demais autoridades civis os deveriam ajudar sob pena de perder seus cargos ou ver o interdito lançado sobre as suas terras; os hereges depreendidos ou abjurariam seus erros ou seriam entregues ao braço secular, que lhes imporia a sanção devida.
Assim era instituída a chamada “Inquisição episcopal”, a qual, como mostram os precedentes, atendia a necessidades reais e a clamores exigentes tanto dos monarcas e magistrados civis como do povo cristão; independentemente da autoridade da lgreja, já estava sendo praticada a repressão física das heresias. No decorrer do tempo, porém, percebeu´se que a inquisição episcopal ainda era insuficiente para deter os inovadores; alguns bispos, principalmente no sul da França, eram tolerantes; além disto, tinham seu raio de ação limitado às respectivas dioceses, o que Ihes vedava uma campanha eficiente. A vista disto, os Papas, já em fins do século XII, começaram a nomear legados especiais, munidos de plenos poderes para proceder contra a heresia onde quer que fosse. Destarte surgiu a “Inquisição pontifícia" ou “legatina”, que a princípio ainda funcionava ao lado da episcopal, aos poucos, porém, a tornou desnecessária.
A Inquisição papal recebeu seu caráter definitivo e sua organização básica em 1233, quando o Papa Gregório IX confiou aos dominicanos a missão de Inquisidores; havia doravante, para cada nacão ou distrito inquisitorial, um lnquisidor-Mor, que trabalharia com a assistência de numerosos oficiais subalternos (consultores, jurados, notários ...), em geral independentemente do bispo em cuja diocese estivesse instalado. As normas do procedimento inquisitorial foram sendo sucessivamente ditadas por Bulas pontifícias e decisões de Concílios. Entrementes a autoridade civil continuava a agir, com zelo surpreendente contra os sectários. Chama a atenção, por exemplo, a conduta do Imperador Frederico II, um dos mais perigosos adversários que o Papado teve no séc. XIII. Em 1220 este monarca exigiu de todos os oficiais de seu governo prometessem expulsar de suas terras os hereges reconhecidos pela lgreja; declarou a heresia crime de lesa-majestade, sujeito à pena de morte e mandou dar busca aos hereges. Em 1224 publicou decreto mais severo do que qualquer das leis citadas pelos reis ou Papas anteriores: as autoridades civis da Lombardia deveriam não somente enviar ao fogo quem tivesse sido comprovado herege pelo bispo, mas ainda cortar a língua aos sectários a quem, por razões particulares, se houvesse conservado a vida. E possível que Frederico II visasse a interesses próprios na campanha contra a heresia; os bens confiscados redundariam em proveito da coroa. Não menos típica é a atitude de Henrique II, rei da Inglaterra: tendo entrado em luta contra o arcebispo Tomás Becket, primaz de Cantuária, e o Papa Alexandre III, foi excomungado. Não obstante, mostrou-se um dos mais ardorosos repressores da heresia no seu reino: em 1185, por exemplo, alguns hereges da Flândria tendo´se refugiado na Inglaterra, o monarca mandou prendê-los, marcá-los com ferro vermelho na testa e expô-los, assim desfigurados, ao povo; além disto, proibiu aos seus súditos lhes dessem asilo ou Ihes prestassem o mínimo serviço. Estes dois episódios, que não são únicos no seu gênero, bem mostram que o proceder violento contra os hereges, longe de ter sido sempre inspirado pela suprema autoridade da Igreja, foi não raro desencadeado independentemente desta, por poderes que estavam em conflito com a própria lgreja. A inquisição, em toda a sua história, se ressentiu dessa usurpação de direitos ou da demasiada ingerência das autoridades civis em questões que dependem primeiramente do foro eclesiástico.

Em síntese, pode-se dizer o seguinte:

1) A Igreja, nos seus onze primeiros séculos, não aplicava penas temporais aos hereges, mas recorria às espirituais (excomunhão, interdito, suspensão ...). Somente no século XII passou a submeter os hereges a punições corporais. E por quê?

2) As heresias que surgiram´no século XI (as dos cátaros e valdenses), deixavam de ser problemas de escola ou academia, para ser movimentos sociais anarquistas, que contrariavam a ordem vigente e convulsionavam as massas com incursões e saques. Assim tornavam´se um perigo público.

3) O Cristianismo era patrimônio da sociedade, à semelhança da prática e da família hoje. Aparecia como o vínculo necessário entre os cidadãos ou o grande bem dos povos; por conseguinte, as heresias, especialmente as turbulentas, eram tidas como crimes sociais de excepcional gravidade.

4) Não é, pois, de estranhar que as duas autoridades (a civil e a eclesiástica) tenham finalmente entrado em acordo para aplicar aos hereges as penas reservadas pela legislação da época aos grandes delitos.

5) A lgreja foi levada a isto, deixando sua antiga posição, pela insistência que sobre ela exerceram não somente monarcas hostis, como Henrique II da Inglaterra e Frederico Barba´roxa da Alemanha, mas também reis piedosos e fiéis ao Papa, como Luís VII da França.

6) De resto, a Inquisição foi praticada pela autoridade civil mesmo antes de estar regulamentada por disposições eclesiásticas. Muitas vezes o poder civil se sobrepôs ao eclesiástico na procura de seus adversários políticos.

7) Segundo as categorias da época, a Inquisição era um progresso para melhor em relação ao antigo estado de coisas, em que as populações faziam justiça pelas próprias mãos. E de notar que nenhum dos Santos medievais (nem mesmo S. Francisco de Assis, tido como símbolo da mansidão) levantou a voz contra a Inquisição, embora soubessem protestar contra o que Ihes parecia destoante do ideal na lgreja.

25 de fevereiro de 2009

Adeus mundo ateu

Esse artigo é uma bela sequencia do Moralidade sem Deus? de 1986, em que Olavo de Carvalho fala da impossibilidade de haver uma moral atéia. LM.
Os detratrores da religião usam e abusam deste argumento que encontraram em Humboldt (não o explorador e naturalista Alexander, mas seu irmão filólogo Wilhelm): A moralidade humana, até mesmo a mais elevada e substancial, não é de modo algum dependente da religião, ou necessariamente vinculada a ela.

Todas as civilizações nasceram de surtos religiosos originários. Jamais existiu uma “civilização laica”. Longo tempo decorrido da fundação das civilizações, nada impede que alguns valores e símbolos sejam separados abstrativamente das suas origens e se tornem, na prática, forças educativas relativamente independentes.

Digo “relativamente” porque, qualquer que seja o caso, seu prestígio e em última análise seu sentido continuarão devedores da tradição religiosa e não sobrevivem por muito tempo quando ela desaparece da sociedade em torno. Toda “moral laica” não é senão um recorte operado em códigos morais religiosos anteriores.

Esse recorte pode ser eficaz para certos grupos dentro de uma civilização que, no fundo, permaneça religiosa, mas, suprimido esse fundo, o recorte perde todo sentido. A incapacidade da Europa laica de defender-se da ocupação cultural muçulmana é o exemplo mais evidente.

O presente estado de coisas nos países que se desprenderam mais integralmente de suas raízes judaico-cristãs está demonstrando com evidência máxima que a pretensa “civilização leiga” nunca existiu nem pode existir.

Ela durou apenas umas décadas, jamais conseguiu extirpar totalmente a religião da vida pública, malgrado todos os expedientes repressivos que usou contra ela e, no fim das contas, sua breve existência foi apenas uma interface entre duas civilizações religiosas: a Europa cristã moribunda e a nascente Europa islâmica.

A opinião de Humboldt é baseada num erro duplo, ou melhor, numa convergência de erros que dão a impressão de confirmar-se como verdades. De um lado, ele faz uma dedução lógica a partir dos significados gerais dos termos e, vendo que o conceito genérico de moralidade não implica nenhuma referência a Deus, aplica ao mundo dos fatos a conclusão de que uma coisa não depende da outra.

Isso é vício de abstratismo: inferir, de um raciocínio, os fatos, em vez de raciocinar com base nos fatos. De outro lado, porém, ele observa que em torno há indivíduos ateus “de moralidade elevada e substancial”, e acredita que com isto obteve uma comprovação empírica da sua dedução.

O que ele nem percebe é que a moralidade deles só é boa porque sua conduta coincide esquematicamente – e exteriormente -- com aquilo que os princípios da religião exigem, isto é, que a possibilidade mesma de uma boa conduta laica foi criada e sedimentada por uma longa tradição religiosa cujas regras morais, uma vez absorvidas no corpo da sociedade, passaram a funcionar de maneira mais ou menos automatizada.

Em suma, só o homem abstrato – ou o herdeiro mais ou menos inconsciente de tradições religiosas – pode ter uma moral sem Deus. O primeiro é uma ficção lógica, o segundo é uma aparência que encobre a realidade das suas próprias origens.

Tomá-los como realidades, e mais ainda como realidades universais e incondicionadas, é um erro filosófico primário, que mostra escassa capacidade de analisar a experiência.

19 de fevereiro de 2009

Papa presta homenagem a Pio XI em sua oposição ao nazismo

CIDADE DO VATICANO, segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009 (ZENIT.org) - Bento XVI prestou homenagem ao trabalho de oposição ao nazismo e aos totalitarismos que Pio XI desempenhou na década de 30. O Santo Padre recordou o pontificado de Achille Ratti (1922-1939) neste sábado, pois, como ele disse, foi «o primeiro e principal artífice e protagonista dos Pactos Lateranenses», que há 80 anos deram origem ao nascimento do Estado da Cidade do Vaticano.Bento XVI reconheceu que, graças à independência que a Santa Sé alcançou ao gozar de soberania em um pequeno pedaço de terra, o Papa Ratti pôde governar depois a Igreja sem depender das imposições políticas da Itália, cujo primeiro-ministro era então Benito Mussolini. Durante seu pontificado, aquele Papa «teve de enfrentar as dificuldades e as perseguições que a Igreja sofria em países como o México e a Espanha, e a confrontação a que os totalitarismos levaram – nacional socialismo e fascismo – surgidos e consolidados naqueles anos».«Na Alemanha, não se esqueceu de sua encíclica Mit brennender Sorge, como sinal forte contra o nazismo», afirmou o Papa, que recorda Pio XI como «o Papa da minha infância». O impacto da encíclica na Alemanha foi tão evidente que Adolf Hitler ordenou a Reinhard Heydrich, chefe da Gestapo, que encontrasse e destruísse todas as cópias. Os historiadores constataram recentemente, graças à abertura do Arquivo Secreto do Vaticano, que antes de morrer, ele também quis redigir um documento para denunciar o antissemitismo do regime nazista.

O problema não é a Teoria da Evolução, mas sim o Evolucionismo como Ideologia

ROMA, 12/02/2009 (ACI). - O Pe. Marc Leclerc, Professor de Filosofia da Natureza da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, explicou em um artigo aparecido em L'Osservatore Romano que não existe, em concreto, um problema com a teoria da evolução de Darwin: o problema está na ideologia criada a partir da teoria. O Pe. Leclerc ressalta logo que "como escrevia justamente o então Cardeal Ratzinger, a polêmica não nasceu com a teoria da evolução mas, de eleger alguns de seus elementos em filosofia universal, em 'chave de interpretação da inteira realidade'"."Evolução e criação não apresentam entre elas a mais mínima oposição, mas sim se revelam de tudo complementares", precisa. O autor de "A Origem das Espécies", prossegue o sacerdote, "aplicava sua teoria da seleção natural a como emergiu nossa espécie, mas não ao funcionamento das atuais sociedades humanas, sublinhando em vez disso como um caráter benéfico para a espécie a aquisição de faculdades morais e religiosas que levam a homem a proteger ao mais débil, ao contrário das absurdas pretensões do darwinismo social".

Fonte: Escola da Fé.

9 de fevereiro de 2009

Livre Mercado e Doutrina Social da Igreja

Curso em vídeo com o filósofo argentino Gabriel Zanotti:


Sumário:

Créditos iniciales
Documentos elegidos por Pontífice

León XIII: Pontífice de transición
Primera encíclica: Quod Apostolici Muneris
Rerum Novarum
Defensa de la propiedad privada
¿Quiere decir que la propiedad privada es importante en tanto se trabaje y genere beneficios para la sociedad?
Distinción entre justicia y caridad
La determinación del salario
¿Se maneja el concepto de salario justo dentro del concepto de la redistribución de la riqueza?

San Pío X

Pío XI

Encíclica: Quadragesimo Anno
Propiedad privada y el principio de subsidiariedad
Fijación de salarios
Orden corporativo profesional: eje central de la organización económica
Condena al liberalismo
El término individualismo
¿El concepto de individualismo se opone a lo social?
¿Tiene que ver el rechazo al liberalismo con el hecho de que la Iglesia estuvo del lado de los colonizadores?

Primera encíclica de Pío XII: Summa Pontificatus
Discursos sobre la libre iniciativa privada
Interpretación de la co-gestión empresarial

Encíclica de Juan XXIII: Mater et Magistra
Productividad laboral
Propiedad pública
Recomendaciones de política económica
La costumbre del clericalismo

Concilio Vaticano II

Pablo VI
Populorum Progressio
El desarrollo
Teoría de la dependencia
Carta apostólica

Juan Pablo II
Laborem Exercens
Sollicitudo Rei Socialis
Centesimus Annus
Documentos adicionales

Instrucción de la Sagrada Congregación para la Doctrina de la Fe, por el

Cardenal Ratzinger
Documento sobre libertad cristiana y liberación
Exhortación apostólica postsinodal: Ecclesia in America

Créditos finales

3 de fevereiro de 2009

Bispo que negou Holocausto pede desculpas

Carta de Dom Richard Williamson

ROMA, segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009 - Dom Richard Williamson, o bispo tradicionalista que em declarações à televisão negou a verdade histórica da Shoá judaica, pediu perdão a Bento XVI em uma carta.

Na carta, enviada ao cardeal Darío Castrillón Hoyos em 30 de janeiro, o prelado afirma que «em meio a esta tempestade levantada por comentários imprudentes de minha parte na televisão sueca, rogo-lhe que aceite, com o devido respeito, meus sinceros arrependimentos por ter causado ao senhor mesmo e ao Santo Padre tantos sofrimentos e penas inúteis».

«Para mim, o que realmente tem importância é a Verdade Encarnada e os interesses de sua única verdadeira Igreja, através da qual, e somente dela, é possível salvar nossas almas e dar glória eterna, em nosso modesto modo, ao Deus Todo-Poderoso», acrescenta.

Citando uma frase do profeta Jonas (1, 12), afirma: «Tomai-me e lançai-me ao mar e o mar se acalmará em torno de vós, porque eu sei que é por minha causa que esta grande tempestade se levantou contra vós».

O bispo conclui sua carta pedindo ao cardeal que «transmita ao Santo Padre meu sincero agradecimento pessoal pelo documento assinado na quarta-feira passada e divulgado no sábado», com o qual retirou a excomunhão dos quatro bispos.

Segundo explicou a Santa Sé, retirar a excomunhão não significa estabelecer os bispos nas funções de governo da Igreja. A Conferência Episcopal da Suíça declarou que continuam suspensos de suas funções como bispos (suspensão ad divinis).
Fonte Zenit, 02/02/2009.

Papa explica por que revogou excomunhão dos bispos lefebvristas

Augura que por parte deles "continue o empenho" de "chegar à plena comunhão com a Igreja"
Por Inma Álvarez
CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 28 de janeiro de 2009 - O Papa pessoalmente explicou hoje, durante a audiência geral, por que decidiu revogar a excomunhão dos bispos ordenados em 1988 por Dom Marcel Lefebvre, tal como a Santa Sé deu a conhecer no sábado passado, 24 de janeiro.

Foi, explicou, um «ato de misericórdia paterna», em cumprimento do «serviço à unidade» próprio do «ministério do Sucessor de Pedro», e acrescentou que «espera um empenho» por parte destes bispos «para chegar à plena comunhão».

Ao término da audiência geral, e em meio às saudações aos diferentes grupos de peregrinos reunidos na Sala Paulo VI, o próprio Papa leu três comunicados, o primeiro sobre a eleição do novo patriarca de Moscou.

No segundo, o Papa se referiu à revogação da excomunhão dos quatro bispos, recordando algumas palavras da primeira homilia de seu pontificado, nas quais afirmou que é «explícito» dever do pastor «o chamado à unidade».

Referiu-se a suas próprias palavras comentando a passagem evangélica da pesca milagrosa: «’ainda que havia tantos peixes, a rede não se rompeu’, e prossegui após estas palavras evangélicas: ‘Ai de mim, amado Senhor, esta – a rede – agora está arrebentada, queríamos dizer com dor’. E continuei: ‘Mas não – não devemos estar tristes! Alegremo-nos por vossa promessa que não decepciona e façamos todo o possível para percorrer o caminho rumo à unidade que vós prometestes... Não permitais, Senhor, que vossa rede se rompa e ajudai-nos a ser servidores da unidade’».

«Precisamente em cumprimento deste serviço à unidade, que qualifica de modo específico meu ministério de Sucessor de Pedro, decidi há dias conceder a remissão da excomunhão em que haviam incorrido os quatro bispos ordenados em 1988 por Dom Lefebvre sem mandato pontifício», declarou.

O Papa explicou que o motivo deste «ato de misericórdia paterna» foi que «repetidamente estes prelados me manifestaram seu vivo sofrimento pela situação na qual se encontravam».

Contudo, recordou que este ato não supõe ainda a reintegração à comunhão plena e confiou em que, «a este gesto meu siga o solícito empenho de sua parte por levar a cabo ulteriores passos», entre eles «o verdadeiro reconhecimento do magistério e da autoridade do Papa e do Concílio Vaticano II».

Sobre a Shoá

Logo depois, o Papa leu um terceiro comunicado no qual expressou sua firme condenação do Holocausto, e expressou sua solidariedade com o povo hebreu. Nele expressou seu desejo de que «a Shoá seja para todos advertência contra o esquecimento, contra a negação ou o reducionismo».

Com estas palavras, ainda que sem mencionar explicitamente, o Papa saia ao passo das polêmicas declarações de um dos quatro bispos a quem se levantou a excomunhão, Dom Richard Williamson, que havia negado a existência do Holocausto em uma entrevista concedida à televisão sueca.

O próprio Papa quis dar seu testemunho pessoal, recordando «as imagens recolhidas em minhas repetidas visitas a Auschwitz, um dos lugares nos quais se consumou o brutal massacre de milhões de hebreus, vítimas inocentes de um cego ódio étnico e religioso».

As declarações de Dom Williamson haviam sido comentadas nestes dias como «inaceitáveis» e «ignominiosas» por vários cardeais da Cúria Romana, assim como pela Conferência Episcopal Suíça.

Precisamente ontem, Dom Bernard Fellay, superior geral da Fraternidade de São Pio X, emitia um comunicado no qual pedia perdão ao Papa por tais declarações.

Fonte: Zenit, 28/01//2009.

Pacto de Metz: A Igreja Católica se aliou ao comunismo?

O Pacto de Metz teria sido um acordo, assinado em Metz, na França, entre a Igreja, representada pelo Cardeal Tisserant (que tinha junto consigo o então Cardeal Montini, futuro Paulo VI) e a URSS, através do Patriarca de Moscou, Nikodim, testa de ferro do regime comunista. Com a formalização desse pacto, ficaria acordado que a igreja cismática enviaria observadores ao Concílio e, em contrapartida, haveria total silêncio acerca do comunismo. Da mesma forma, com o mesmo espírito conspiratório, rumores afirmam que na verdade o Pacto de Metz não passou de uma invenção da KGB para denegrir a Igreja.

A excomunhão ao comunismo é reflexo do ateísmo e materialismo que fazem parte da essência dessa doutrina. Destarte, aqueles que se encaixam no decreto de S.S Pio XII são os que aderem ao marxismo enquanto concepção filosófica anti-cristã, revolucionária, anti-natural, totalitária etc, ou seja, apóstata. Como bem sabemos, a excomunhão latae sententiae se faz em casos de apostasia, heresia, cisma etc. Mesmo com a existência de tal pacto, nenhum dos envolvidos, João XXIII, Cardeal Tisserant, Cardeal Montini, tinham a intenção de criar um cisma, muito menos apostatar da fé. Era um acordo, assinado entre dois Sucessores dos Apóstolos, afinal Nikodim foi ordenado validamente, que tinha como objetivo o silêncio, não a defesa inconteste do comunismo ateu. Ainda vale lembrar que o Papa, enquanto supremo legislador eclesiástico, pode suprimir a lei temporariamente, quando achar oportuno. Ademais, a excomunhão é automática para os que aderem ao comunismo enquanto doutrina filosófica materialista e atéia, o que gera apostasia, daí a excomunhão latae sententiae. Quem se diz socialista, crendo que socialismo é justiça social, não cai em excomunhão automática. O que deve ser levado em questão não é a filiação nominal, mas a profundidade ideológica. Desse modo, o Concílio foi legítimo, tanto com o Beato João XXIII, de onde teria partido a ordem, e com Paulo VI, que teria participado do acordo ainda como Cardeal. Entretanto, é pertinente relembrar que há uma grande diferença entre assinar um documento defendendo o comunismo, com consciência da incongruência entre o materialismo dialético e o cristianismo, com total condescendência ao erro marxista, e um acordo que tinha como objetivo não relembrar as condenações ao comunismo no Concílio. Até porque, como o tal pacto envolveria diretamente um Papa, João XXIII, o mesmo que proibiu católicos de se aliarem a partidos e políticos comunistas, e dois Cardeais, é legítimo concluir que eles sabiam que mesmo com a omissão do comunismo no Vaticano II, isso em nada modificaria os anátemas já feitos, logo, mesmo com a existência do Pacto, não teriam a inocência de acreditar que esse silêncio revogaria anos de ensinamentos.

Dois pontos de grande relevância; o Concílio optou por utilizar um método positivo, sem anatemizar e recondenar o que já havia sido condenado. Ora, com pacto ou sem pacto, o Vaticano II não faria uma taxativa condenação ao comunismo, vale lembrar que milhares de instituições religiosas foram questionados sobre os assuntos que queriam que fossem abordados no Concílio; o comunismo nem apareceu na lista. Outra questão que não podemos nos esquecer, o Magistério da Igreja é contínuo, infalível nos seus ensinamentos, não se anula nem entra em contradição. O comunismo já via sido condenado desde o Beato Pio IX, logo, mesmo com o Concílio não relembrando a anatemização do materialismo dialético, este continuaria execrável. Mesmo existindo esse Pacto de Metz, esqueceram de avisar ao então Arcebispo de Cracóvia, Karol Józef Wojtyla, afinal, S.S João Paulo II, o Papa que colocou na prática o Concílio, era abertamente anticomunista e fez da derrubada dos regimes genocidas totalitários socialistas sua bandeira pessoal.

Não obstante, é pertinente recordar que o comunismo foi lembrado no Concílio e condenado, não da forma “syllabica” que alguns queriam, mas dentro da metodologia conciliar;


“O ateísmo moderno apresenta muitas vezes uma forma sistemática, a qual, prescindindo de outros motivos, leva o desejo de autonomia do homem a um tal grau que constitui um obstáculo a qualquer dependência com relação a Deus. Os que professam tal ateísmo, pretendem que a liberdade consiste em ser o homem o seu próprio fim, autor único e demiurgo da sua história; e pensam que isso é incompatível com o reconhecimento de um Senhor, autor e fim de todas as coisas; ou que, pelo menos, torna tal afirmação plenamente supérflua. O sentimento de poder que os progressos técnicos hodiernos deram ao homem pode favorecer esta doutrina.

Não se deve passar em silêncio, entre as formas actuais de ateísmo, aquela que espera a libertação do homem sobretudo da sua libertação económica. A esta, dizem, opõe-se por sua natureza a religião, na medida em que, dando ao homem a esperança duma enganosa vida futura, o afasta da construção da cidade terrena. Por isso, os que professam esta doutrina, quando alcançam o poder, atacam violentamente a religião, difundindo o ateísmo também por aqueles meios de pressão de que dispõe o poder público, sobretudo na educação da juventude.” (GS, 20)

“Fiel quer a Deus e quer aos homens, a Igreja não pode deixar de reprovar com firmeza, como reprovou até agora, aquelas doutrinas e
atividades perniciosas que contradizem à razão e à experiência humana universal e privam o homem de sua grandeza inata.” (GS, 21)

Com pacto ou sem pacto, nós nunca iremos saber se o Concílio condenaria nominalmente o comunismo. O tal acordo em Metz seria muito inócuo, afinal o Vaticano II escolhera uma metodologia positiva, ou seja, uma taxativa anatemização entraria em contradição com a própria organização conciliar. Sem o pacto, na concepção dos seus defensores, o Concílio faria uma concessão metodológica ao condenar o materialismo dialético. Não obstante, vale frisar, que mesmo com essa taxativa excomunhão, o desenrolar da história nos leva a crer que nada se modificaria na corrupção de partes do clero pela doutrina comunista, assim como a infiltração de agentes socializantes na Igreja. O ataque a institucionalização, a hierarquia, a estrutura clerical, se tornou a bandeira dos socialistas ditos cristãos. Ora, com a recordação dos anátemas, apenas se consolidaria o discurso dos defensores do materialismo, criando uma realidade bipolar, se melhor ou pior do que o a que se formou, não saberemos.

Por Pedro Ravazzano, blog Acarajé Conservador.


Trocando ideia sobre o texto

O texto do Pedro é muito revelador. Mas abaixo exponho uma dúvida que ainda permaneceu e que lancei ao Pedro, a qual ele respondeu com muita propriedade. Minha dúvida é baseada no argumento do frenquente crítico desse pacto, o filósofo Olavo de Carvalho. O argumento é o seguinte:


"um pouco antes do Concílio a Igreja de Roma assinou com as autoridades soviéticas o tristemente célebre Pacto de Metz, que a obrigava a abster-se de toda denúncia contra os regimes comunistas durante as sessões do Concílio. O pacto, que era secreto, foi ocultado da imprensa ocidental e não foi divulgado senão algum tempo depois, pelos jornais soviéticos. Se você leva em conta que até essa época os regimes comunistas já tinham matado quase uma centena de milhões de pessoas, das quais pelo menos uns trinta milhões de cristãos que não tinham cometido outro crime senão o de ser cristãos, você compreende a gravidade quase infinita desse acordo. Hoje em dia condena-se o Papa Pio XII por ter feito certo silêncio em torno da perseguição aos judeus na Alemanha, mas quem queira desculpá-lo pode ao menos alegar, para raciocinar por absurdo, que não eram ovelhas do seu rebanho, que ele não tinha a obrigação de dar o alarme se o lobo atacava apenas as ovelhas do seu vizinho. Mas o que se pode pensar do pastor que entrega ao lobo as ovelhas do seu próprio rebanho? Ante essa cumplicidade abominável, as críticas bem polidas e de ordem puramente teórica que a Igreja continuou a fazer ao marxismo não passam de hipocrisia. E como você haveria de querer que, depois de coisas desse gênero, milhões de fiéis não perdessem a confiança na Igreja e não escolhessem ser, ao menos a título provisório, cristãos sem Igreja? Foi o Vaticano que traiu a confiança deles, é a ele que cabe arrepender-se e lhes pedir perdão, em vez de fazer essas ridículas genuflexões rituais ante o mundo ateu, que se tornaram a moda oficial do dia."
(Em http://www.olavodecarvalho.org/textos/europalivre.htm)


Achei estas considerações do Olavo bastante pertinentes, pois ora, não seria uma atitude anti-cristã silenciar perante um genocídio contra os próprios cristãos? Você escreveu sobre o tema, e em certo sentido seu artigo é uma boa defesa, mas é boa se desconsiderarmos que naquele instante estava ocorrendo uma matança em larga escala. Parece que este é o fato relevante, e não a confortável condenação circunscrita ao campo das ideias.

O que você acha?
Abraço,
Lucas

A resposta do Pedro ao argumento do Olavo foi essa:

Lucas,
PAX DOMINIO

Olavo quando fala da Igreja não consegue nem mesmo disfarçar seu amadorismo e sua análise quase sempre pessoal e apaixonada! Nesse comentário ele próprio responde a sua insinuação contra a Igreja! Qual o motivo de S.S Pio XII não ter enfrentado de forma armada o Nazismo? (Vale lembrar que Pio XI, por meio do Núncio na Alemanha, o então Cardeal Pacelli, condenou o nacional-socialismo, além disso, o próprio Pio XII mandou que todo o clero protegesse e salvaguardasse a comunidade judaica). Simplesmente temia pela vida do povo católico que vivia sob o jugo do regime nazista. Como disse Marcus Melchior, rabino chefe da Dinamarca "se o Papa tivesse tomado explicitamente uma posição, Hitler provavelmente teria massacrado bem mais do que seis milhões de judeus e talvez dez vezes dez milhões de católicos, se tivesse oportunidade para isso". A mesma coisa vale para o silêncio da Igreja em relação ao regime soviético. Primeiramente se faz necessário frisar que o Magistério da Igreja, contínuo e verdadeiro, nunca entra em contradição, daí que nenhum Papa tivesse a audácia de considerar depostos os ensinamentos, desde Pio IX, a respeito da oposição entre socialismo e catolicismo. Desse modo, podemos afirmar com clareza que a postura da Igreja foi essencial para zelar e resguardar a vida das comunidades católicas. Imagine o terror que teria sido instaurado se houvesse um briga pública entre Roma e a URSS? Olavo acha que a Igreja é uma Instituição meramente humana, não, ela tem um fim claramente espiritual. Claro que a condenação ao comunismo sempre é oportuna e essencial, ainda mais no mundo de hoje, mas além da Igreja já ter o condenado - o que, a priori, não faz de extrema necessidade outra condenação - a vida eclesial no Leste Europeu estava em risco. Quer dizer que o Vaticano deveria ter priorizado a REAFIRMAÇÃO daquilo que já tinha sido afirmado dezenas de vezes do que a salvação dos fiéis humilhados pelo regime comunista? Isso me lembra a história do próprio Wojtyla. Em toda a sua vida apostólica na Polônia jamais abriu a boca para criticar diretamente o comunismo institucionalizado, e por quê? Simplesmente acreditava que a derrubada do totalitarismo ateu se fazia pela conscientização do Amor de Deus aos homens, a defesa radical do cristianismo, o zelo eucarístico e doutrinário. Tudo isso, inevitavelmente, desaguava no claro entendimento da incongruência essencial entre o socialismo e a catolicidade! Alguém chamaria João Paulo II de aliado dos comunistas, logo ele que fez da derrubada da Cortina de Ferro quase uma missão especial? De forma alguma! Esse exemplo apenas mostra que, diferentemente do que querem, a Igreja não é uma mera organização anticomunista, e mesmo parecendo absurdo para alguns, as atitudes da Esposa de Cristo sempre se fundamentam na Verdade! Se apenas hoje a Igreja começa a se reerguer nos países assolados pelos soviéticos imagine como seria a realidade se nessas nações tivesse ocorrido uma caça declarada aos católicos devotos, o que sem dúvida existiria havendo o confronto direto entre Roma e Moscou? Isso é algo lógico, afinal, se o Vaticano atacaria os comunistas quem os comunistas atacariam em resposta ao Vaticano?

Abraços,